
*Mário Adolfo
Waldenor Queiroz Pinto mostra, na parede de madeira de sua casa, a marca da água, “cicatriz” da enchente de 2014 que fez tantos estragos.
Desde seu avô, Loreano Rodrigues Queiroz – um dos primeiros a desbravar as matas do Madeira e construir o pequeno sítio -, o rio não subia tanto.
– Em mais de 120 anos, minha família vive aqui, desde meus avós, e nunca tinha visto nada igual. Perdemos quase tudo. Isso fez muitas, famílias que viviam do cacau desistirem -, diz o ribeirinho.
Foi a natureza que deu as matas infestadas de pés de cacau. O que os botânicos tratam como “cacau nativo” ou “selvagem”. Mas, assim como a natureza dá, a natureza tira.
Nos primeiros meses de 2014, vários municípios da Amazônia brasileira e boliviana foram afetados com a cheia histórica do rio Madeira, afetando os Estados brasileiros de Rondônia, Acre e Amazonas. Pelo lado boliviano, a região foi a do rio formador do Madeira, o Beni (juntamente com o Madre de Dios, do Peru).
Na região do Madeira, o rio engoliu a floresta. E foi uma devastação nas plantações e no bolso dos pequenos agricultores ribeirinhos.
De acordo com os boletins climáticos da época, o que aconteceu foi um episódio meteorológico típico o verão: chamado “Alta da Bolívia”, mas o fato é que em 100 anos de medição, nunca se havia chegado a esta cheia inédita, próxima de – 20 metros.
Na mesma RDS “Zé João- O ribeirinho Fracinal Rodrigues Coelho perdeu 3 toneladas de cacau na cheia do rio.
Hoje, o que colheu é pouco mais de 200 quilos. “Até a barcaça ficou soterrada pela lama que cobriu o sítio na vazante. Nunca vi o Madeira ser tão agressivo”, comenta Waldenor, que está tentando se reerguer depois da – tragédia climática de 2014.
Para sobreviver, ele alugou uma balsa de garimpo e está varrendo o leito do rio com dragas, na esperança de que a qualquer hora possa chegar até a um filão do metal precioso e “bamburrar”.
Quando não é água, é o sol
Na RDS Bom Jesus, onde se produz em terra firma, o problema não foi a água de 2014. Foi o verão de 2015. De acordo com João da Silva Corrêa, 34, foram seis meses sem chuva. O que torrou os cacaueiros.
– Tínhamos 800 mudas prontas para produzir e perdemos tudo. Dava vontade de chorar, o “caboco” trabalhar o ano inteiro e perder tudo de uma hora para outra.
– João Corrêa acredita que tanto na, várzea quanto em terra firme, os desastres ecológicos (cheia de 2014 e verão de 2015) servem para ensinar lições. De acordo com o agricultor, no extrativismo todo mundo trabalha de forma errada e desordenada. São produtores que trabalham com o Sistema Agroflorestal (SAF) e que recorrem a vários tipos de culturas para ter produção o ano todo.
– Aqui- no Madeira, por exemplo, juntamos o plantio de cacau com os de banana, goiaba, macaxeira e açaí. Isso tudo ao Deus dará, sem saber ao certo o tempo de plantar, de trabalhar a muda, de podar, fazer o sombreamento. No caso do verão, faltou o sombreamento. Não estávamos preparados -, admite Corrêa.
*Jornalista amazonense. Texto publicado no Caderno Especial do Jornal Amazonas Em Tempo, de 29/05/2019.
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