Não considero motivo para comemoração a prorrogação da Zona Franca por mais meio século.
Apenas se protelará a inercia das oligarquias locais. Olho em volta, e vejo como mais grave o fenômeno do crescimento desordenado de Manaus, que faz parte dos problemas gerados pelos programas de desenvolvimento postos em práticas pelo governo federal, desde 1964. Um dos problemas óbvios é o aumento da população urbana na Amazônia, configurando uma das maiores fronteiras urbanas do mundo. O censo de 1980 mostrava que metade da população amazônica vivia em cidades. Dez anos depois 58% da população estava urbanizada. Capitais como Manaus, Belém e Porto Velho sofreram declínios de importância regional, na medida que certos aglomerados urbanos espalhados pelo interior se organizaram e estabeleceram ligações diretas com os centros econômicos nacionais e internacionais. Mas as capitais tradicionais da região continuam a desempenhar seu papel local, por sediarem as sucursais das agências federais, controlarem os orçamentos públicos estaduais e manterem as máquinas administrativas e burocráticas. No entanto, enfrentam novos desafios, como as massivas imigrações, criação de favelas e crescimento do setor informal na periferia urbana. A partir dos anos 90; a região assistiu uma mudança urbana bastante dramática, que foi o declínio da cidade de Belém em relação à Manaus. A cidade de Belém, que representava 43.9% da população regional em 1950, caiu para 23.0% em 1990, enquanto Manaus experimentava uma verdadeira explosão demográfica. A vitória da capital amazonense na velha competição entre as duas cidades foi apenas aparente. Mesmo com todo o capital nacional e ‘internacional chegando em Manaus, enquanto as elites de Belém não conseguiam reverter o processo, a capital do Amazonas saiu perdendo como centro urbano. Belém pôde se dar ao luxo de preservar seu patrimônio urbano, sua arquitetura eclética, seus parques neoclássicos e suas avenidas sombreadas pelas mangueiras, enquanto Manaus se deixou atacar pela especulação imobiliária viu muitos de seus marcos arquitetônicos desaparecerem em troca de uma arquitetura medíocre. Enquanto a capital paraense soube impor sua cultura e as tradições de sua civilização, a cidade de Manaus foi culturalmente colonizada pela massa de imigrante, oriundas das partes mais atrasadas do país, pessoas originarias do mundo rural, onde não havia nenhuma mobilidade social, nenhuma escola, nenhuma esperança. É impossível prever o que vai ser culturalmente a cidade de Manaus no futuro, depois que o processo da Zona Franca passar. Belém ainda tem sua importância regional, embora não mais exerça liderança e tenha perdido o posto de portão da Amazônia. É em Belém que ainda estão algumas das agências governamentais importantes, enquanto a cidade de Manaus tende a se transformar num polo tecnológico, num centro de biodiversidade de alta tecnologia. Para que isto aconteça capital do Amazonas deve superar a tentação populista, oferecer uma rápida integração das massas de migrantes através de processos educacionais e culturais, acumulando ao lado capital financeiro um capital intelectual com massa suficiente para fazer de sua população mais do que reserva de mão-de-obra e energia humana escravizada à expansão global do capitalismo.
Esse modelo de desenvolvimento regional baseado em grandes projetos, impostos por um regime autoritário, acabou por trazer graves consequências para a Amazônia e seu povo. As principais distorções hoje são bastante óbvias, mas o cerceamento da liberdade e expressão, a repressão e o sistemático assassinato de lideranças populares impediram que fossem denunciadas e combatidas na época. Aqui a Ditadura segue vitoriosa.
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