Nota de esclarecimento aos leitores: A importância da Amazônia para o Brasil e o Mundo cresce à medida que os modelos de desenvolvimento econômico standard tendem a se colapsarem com a contínua destruição ecológica do planeta. A importância das suas culturas e dos seus ambientes naturais para a história antropológica mundial e o futuro da humanidade reserva-lhe um ‘lugar’ estratégico, no rearranjo político e econômico mundial, em curso. O seu papel, em especial do Estado do Amazonas, na estabilização climática e termodinâmica do planeta reafirma a sua importância global. Contraditoriamente, este estado amazônico detém um dos piores índices de desenvolvimento humano do Brasil. Fome, pandemia e desesperança continuam sacrificando milhares de famílias e jovens amazonenses sem perspectivas de melhoria de qualidade de vida. Por meio de 30 mini artigos analisarei a inserção do Estado do Amazonas neste cenário multidimensional, priorizando as suas conexões políticas, econômicas e científicas assim como a apresentação de o design de uma proposta de desenvolvimento econômico, em bases científicas e sustentáveis. Esta publicação inaugura esta série de artigos.
Amazônia: Patrimônio da Humanidade ou Destruição Cultural e Ecológica?
“Amazônia é uma das últimas utopias do planeta. Antes de o Novo Mundo ser descoberto, ela já instigava o imaginário de pessoas, viajantes e governantes”. Qual é o seu futuro? Ela está morrendo. Sua destruição é uma tragédia anunciada. Este texto-síntese descreve a sua importância e as dificuldades em protegê-la e construir o seu desenvolvimento sustentável. Ela está passando por uma fase muito crítica e precisa de todas as solidariedades nacionais e internacionais. Os fóruns políticos e a sociedade brasileira precisam discutir e consensuar a sua transformação em patrimônio da humanidade.
Por que a Amazônia é a última utopia ecocultural da humanidade? Que desafios ela põe ao mundo? Por que ela é importante para a humanidade? Por que o capitalismo do tipo predatório ainda não tem alcance teórico e empírico para transformá-la em commodity sustentável? Por que os sucessivos governos do Brasil têm se transformado numa arma contra ela? Como desenvolvê-la em forma sustentável em benefício do povo brasileiro e da humanidade? Quem garantirá a sua proteção? Quem financiará o seu desenvolvimento sustentável?
A complexidade e a grandeza de suas representações culturais, simbólicas e materiais, incomodam os governos estúpidos e desafiam àqueles que acreditam no poder da educação, ciência e tecnologia na promoção de seu desenvolvimento sustentável, em benefício do Brasil e da Humanidade. Amazônia é o passaporte brasileiro para sua entrada no ranking dos países desenvolvidos. Esta região abriga as maiores diversidades culturais e biológicas mundiais em áreas contíguas, 1/3 das reservas mundiais de florestas tropicais, 1/5 da água doce superficial do planeta, 1/10 da biota mundial em terra sólida.
Amazônia Legal abrange nove estados brasileiros totalizando 4.987.247km2, 3/5 do território do Brasil e 2/5 da América do Sul, que corresponde a 1/20 da superfície terrestre. Dessa área, 3,5-4 milhões km2 se encontram com suas coberturas vegetais primárias ou sem perturbações antropogênicas significativas. Em seus territórios habitam pouco mais de 35 milhões de pessoas, incluindo 163 povos indígenas totalizando 384 mil pessoas, ou 44,7% da população indígena brasileira. Cada povo com sua rica e milenar cultura. Amazônia tem o Rio Amazonas, maior e mais volumoso rio do mundo que compõe a mais complexa bacia hidrográfica do planeta. Ela possui mais de 2000 rios, 75 mil km de hidrovias, mais de 11 mil km de fronteiras internacionais e 22 mil comunidades no interior de suas florestas. Especialistas já identificaram mais de 11 mil espécies arbóreas na região, 19% das espécies de árvores conhecidas no mundo. As projeções técnicas indicam que Amazônia tem potencial ecológico para abrigar 16 mil espécies arbóreas. Os estudos de inventário botânico também identificaram 2 mil espécies de plantas medicinais usadas por suas populações tradicionais, e 1250 espécies produzindo óleos essenciais.
Amazônia possui ecologias diferenciadas. São mais de 400 bilhões de árvores e 350 toneladas de biomassa por hectare, produzindo anualmente 7,5 toneladas de liteira (galhos, ramos e folhas) acumulada em cada hectare; constitui a maior fonte mundial de biomassa renovável em superfície sólida e contígua. A literatura especializada registra que 20-25% de seu território são inundados periodicamente. Registra, também, a existência de 116.409 micro-organismos por metro quadrado em uma camada superficial de 10 cm de profundidade, numa floresta do arquipélago de Anavilhanas, na Amazônia Central, sujeita a inundações periódicas. O crescente uso de mercúrio, germicidas e fungicidas na região está contaminando, irreversivelmente, as bacias hídricas deste ‘mundo das águas’ e desencadeando um conjunto de contaminações e doenças aos seus ambientes e às suas populações.
Quantas desgraças e doenças podem ser espalhadas ao mundo com a destruição desta região fantástica? Uma tragédia mundial anunciada que já se encontra em curso.
Os desafios que a Amazônia suscita ao mundo são complexos e têm alcance planetário. Ela é estratégica ao Brasil e à Humanidade com destaque para sua participação na construção de uma nova concepção estética para a humanidade, e ao seu desenvolvimento sustentável na condição de maior biblioteca viva e aberta do planeta. Destaque à sua condição pluricultural, de espaço estratégico ao Brasil e ao Mundo, mecanismo de reciclagem ecológica do mundo, e termostato e fonte de estabilidade climática do planeta. Suas características culturais e ecológicas precisam ser protegidas, disseminadas e popularizadas no Brasil e no mundo para que se possa valorizar a sua importância ao aperfeiçoamento das pessoas, da sociedade e humanidade.
A abertura plena de suas naturezas e territórios ao capitalismo predatório acelerou a sua destruição cultural e ecológica. A rápida disseminação da covid-19 na região continua contribuindo para o extermínio físico de seus povos, num genocídio sem precedente. Estimulados pelo ex-Presidente do Brasil e pelo seu Ministro do Meio Ambiente, posseiros, garimpeiros, madeireiros, fazendeiros, especuladores, aventureiros, entre outros, têm assassinado suas lideranças indígenas e sindicais, desmatado suas florestas e poluído a sua bacia hidrográfica com danos irreversíveis aos seus biomas e culturas. As tragédias do Vale do Javari e do Povo Yanomami ilustram a cumplicidade e a participação indireta do estado brasileiro com uma tragédia que começou com o processo de colonização na região no século 16 e que já eliminou mais de 800 povos originários e 5 milhões de parentes.
As contínuas ausências e omissões, no passado recente, do Brasil nos Acordos Mundiais do Clima, o rompimento com o ‘Fundo Amazonas’ e suas parcerias internacionais, e a desconstrução de diversas políticas e programas de proteção ambiental e social na Amazônia têm contribuído à sua destruição. A desarticulação gerencial e operacional do IBAMA, da FUNAI, de seus Distritos Sanitários e a manipulação explicita dos seus índices de desmatamento pelo Governo Federal, na gestão do Senhor Jair Bolsonaro, constituem crimes contra o Brasil, o seu povo e a humanidade. Este conjunto de problemas políticos contribuiu para o isolamento do Brasil da comunidade internacional. O ódio racial aos povos amazônicos já declarados pelo ex-Presidente do Brasil e vários de seus Ministros, reafirma o Brasil como país racista e a Amazônia como uma das regiões mais desprotegidas do mundo. Em geral, a Amazônia é considerada um entrave ao desenvolvimento econômico do Brasil.
Qual é o futuro da Amazônia no Brasil? Quem salvará a Amazônia? Quem financiará o seu desenvolvimento sustentável?
Amazônia precisa de um programa de desenvolvimento apoiado numa reforma fiscal e tributária que estimule e promova uma política industrial vocacionada e interiorizada. Como construir o desenvolvimento social e econômico desta região mantendo a floresta em pé? Este é o principio-guia. Deve-se priorizar a bioindústria incluindo os fármacos, os cosméticos, a perfumaria e a alimentação, a piscicultura e a fruticultura, a mineração ecológica, novas fontes de energia limpa, e os serviços ambientais. Destaque às físicas e químicas finas, ecoturismo, agroecologia, biojóias, artes indígenas, novos materiais para as tecnologias da indústria aeronáutica, de quatro e duas rodas, naval, eletrônica, robótica, cibernética, comunicação, habitação, confecções, gestão ambiental, antropologia dos trópicos, tecnologias de informação e comunicação, design, entre outros arranjos produtivos.
Deve-se, também, construir novos termos de acordos fiscais e tributários com os grupos empresariais e transnacionais instalados no polo minero-metalúrgico no Pará e na Zona Franca de Manaus. A partir deste pressuposto, seriam criadas as bases estruturantes para uma nova política industrial regional centrada na inovação, ciência e tecnologia hightech e movimentada por programas sustentáveis. É também importante que, simultaneamente, o poder público compartilhe novas parcerias com grandes grupos industriais internacionais, bem sucedidos em áreas estratégicas ao seu desenvolvimento, construindo regulamentações que protejam o Brasil e os seus interesses políticos, econômicos e sociais, e gerando novos arranjos produtivos e processos de gestão de grande impacto social e econômico à região.
A implantação de múltiplos laboratórios de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos na região deve ter destaque neste empreendimento que criará nossas perspectivas para nossa juventude e o Brasil. Ênfase à bioindústria municipalizada neste cenário promissor, embora ainda distante. Interiorizar o estado nacional na região e institucionalizar as estruturas de ciência e tecnologia em seus municípios se põe como condição para acelerar o seu desenvolvimento em bases sustentáveis. Sua integração regional e nacional e sua incorporação ao projeto nacional é o maior desafio dos gestores e dos políticos brasileiros. Instituições como o Banco Nacional do Desenvolvimento Social, Ministério de Educação, Ministério de Ciência e Tecnologia, Ministério de Indústria e Comércio, entre outros, têm que, também, estarem sediadas na Amazônia. O investimento de US$ 1 trilhão num prazo de 10 anos, por parcerias públicas e privadas, possibilitará o sucesso do desenvolvimento sustentável da Amazônia.
A mudança política da capital do Brasil para a Amazônia consolidará este quadro histórico que colocará, rapidamente, o Brasil no ranking dos países mais desenvolvidos com reais perspectivas de eliminar suas grandes desigualdades sociais. O convencimento da Câmara dos Deputados e do Senado Brasileiro é outro desafio político. Historicamente, as representações parlamentares dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, incluindo todos os seus respectivos fóruns e vertentes políticas, sempre resistem às mudanças dos eixos econômicos do Brasil.
Amazônia tem os piores índices de desenvolvimento humano e as políticas públicas mais fragilizadas do Brasil. Ela é uma das regiões do planeta mais desprotegida social e economicamente. Se ela fosse um país, certamente, num período de 10 anos ela estaria entre os cinco países mais desenvolvidos do mundo. Quem salvará a Amazônia? Seu futuro é uma tragédia mundial anunciada e já consensuada no parlamento brasileiro, em setores científicos e em grupos sociais minoritários. A pressão internacional tem intensificada a última resistência política à sua total destruição cultural e ecológica. A Amazônia precisa ser ocupada por políticas públicas, livros, artes, e por uma política de desenvolvimento sustentável consistente, e não por aventureiros, oportunistas e destruidores da natureza. O futuro promissor do Brasil passa, necessariamente, pela Amazônia.
A Organização das Nações Unidas-ONU; a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura-UNESCO; o Fundo Monetário Internacional-FMI; a Organização Mundial do Comércio; o Vaticano, os Governos compromissados com um futuro sustentável, a Opinião pública mundial e a Sociedade Brasileira esclarecida, o Sistema Financeiro Internacional e o Sistema Judicial Brasileiro têm papel importante nos movimentos nacionais e mundiais pela sua defesa. Sua transformação em Patrimônio da Humanidade precisa ser materializada antes de sua destruição irreversível. Tristes trópicos, diria Claude Lévi-Strauss. A história nos julgará. Os textos seguintes esclarecerão este ponto de vista numa perspectiva que valorize e promova o seu desenvolvimento sustentável.
Marcílio de Freitas foi Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Amazonas. Publicações recentes: Ver: <https://www.amazon.com.br/kindle-dbs/entity/author?asin=B0BB3D1DBX>.
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