A Manaus que resultou da Zona Franca, fruto da megalomania dos tecnocratas da ditadura militar que se transformou em círculo vicioso, se debate numa nova problemática, diferente do que sonhavam as elites da decadência econômica. Já não se trata de criar um centro urbano civilizado no interior da floresta equatorial.
Trata se de transformar esse centro numa realidade condizente com os avanços das estruturas urbanas do século XXI. Mas a elite amazonense é teimosa e defasada, ela permanece extrativista ideologicamente e esquece que se não partir da periferia em direção ao centro, estará estrangulando sua futura expansão. Mas é difícil mudar uma ideologia sem que haja uma verdadeira transformação radical pela base. O verdadeiro espírito tradicional de Manaus não está em suas casas art-nouveau, está nessa sua acanhada mentalidade rústica e primitiva. É por isso que uma demolição se torna indolor, pois se enquadra, de uma maneira absurda, dentro da nossa tradição mais cara. A Zona Franca veio ativar a contradição que crescia invisível nos anos de depressão.
No início, as soluções pareceram rápidas, como foi a radical ablação da Cidade Flutuante. Mas hoje, em sua duração à base de prorrogações, as periferias incham e cercam o centro da elite, não sendo possível seguir as soluções preestabelecidas que continuam a chegar de Brasília, ou do Rio, ou de Chicago. Manaus não pode seguir docilmente o caminho da contradição irremediável a que chegaram os outros centros da terra. Ainda há tempo, se a sua elite descobrir, que mais vale o Coroado com suas “ruas” pavimentadas, com luz, água tratada e esgoto, do que uma magnífica avenida para uso exclusivo dos turistas que desembarcam no Aeroporto. É preciso compreender que mais vale um sistema coletivo de transporte urbano bem organizado e farto, do que ruas e vias de escoamento para o transito de automóveis particulares. Os engarrafamentos não são um prenúncio do progresso, como muitos amazonenses pensam, são sintomas do fracasso das administrações públicas. Mas no interior do câncer urbano não há tradição nem cultura, e os canais de informação são desviados e obstruídos para longe da expressão regional. Se a pobreza atual da arquitetura de Manaus é a distorção mais visível, ela revela nas ruas, em cada calçada, em cada fachada, o sinal de uma alienadora anomalia que tenta apagar os traços de sua continuidade histórica. Esta tarefa de provocar uma amnésia localizada se revela de maneira perniciosa nos setores da comunicação. O despreparo do sistema extrativista lançou a sociedade amazonense num dilema: ou superar criativamente as distorções ou sucumbir como uma sociedade de dementes colonizados. Jogado na guerra da integração, obrigado a tomar como informação e entretenimento o que o oligopólio das comunicações impõe, e sem nenhuma estrutura prática para enfrentar o perigo da despersonalização, o amazonense é hoje uma vítima passiva e um consumidor de segunda classe.
Manaus é uma cidade devassada. Do ponto de vista da informação cultural, despreparada que estava pela massiva migração dos bolsões de miséria de nossa periferia, seu povo é o exemplo mais perfeito do conformismo e da ignorância. Para uma população acostumada com o rádio, o circo e o cinema como diversões de massa, a invasão inesperada da televisão foi um transtorno. A televisão, veículo sofisticado e que transformou todo um padrão de vida dos grandes países industrializados, chegou a Manaus como uma arma arrasadora. Trazendo padrões de comportamento, costumes e usos praticamente ininteligíveis à audiência amazonense, provocando um fenômeno de padrões e mores em modificação, objeto fascinante para um estudo mais detalhado. No entanto, mesmo uma visão superficial o que se vê é a instauração de uma apparteid cultural que separa perigosamente a nossa sociedade.
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