Manaus, 23 de novembro de 2024

CMI discute data da fundação de Itacoatiara (1)

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Na quarta-feira passada, dia 21 deste mês de junho, em audiência pública na Câmara Municipal de Itacoatiara, este historiador palestrou sobre História de Itacoatiara. Presidida pelo vereador João Bosco Rodrigues, a reunião atendia ao requerimento número 280/2017, formulado pelo vereador Francisco Rosquilde de Araújo. O expoente, nos termos do convite que lhe foi formulado, falou sobre a missão jesuítica que originou a nossa cidade, fundada em 1683 às margens do Rio Mataurá, afluente do Madeira, pelo jesuíta suíço Jódoco Perez (1633-1707) – sem dúvida um evento de grande significação, que há décadas tem sido estudado pelo autor, apoiado em farta bibliografia nacional e estrangeira. A síntese escrita dessa exposição foi distribuida aos presentes, no findar da sessão.

A audiência teve início às 17:00 horas e prolongou-se às 21:30 horas. Compareceram somente quatro vereadores (de um total de 15!), o que é lamentável, mas a despeito disso, a sessão teve o seu curso normal. Além do presidente da Casa, compuseram a mesa o representante do prefeito municipal, um membro do Poder Judiciário, o secretário municipal de Cultura e os presidentes da Academia Itacoatiarense de Letras e Associação dos Artesãos de Itacoatiara. Grupos de intelectuais, professores, estudantes e populares lotaram parcialmente as galerias. Creditamos o sucesso da audiência ao eficiente trabalho dos servidores da Câmara, com destaque para a senhora Nilda Batista Cerdeira Abrahim, assessora do presidente João Bosco Rodrigues, e a senhorita Tânia Chantel, assessora do vereador Francisco Rosquilde.

É o segundo debate sobre o tema empreendido pela edilidade itacoatiarense. Na primeira audiência, a 26 de novembro de 2013, presidida pelo vereador Raimundo Silva, pronunciaram-se os vereadores Francisco Rosquilde, Antônio Isper Neto e Cheila Moreira, este historiador, um membro do Executivo municipal e o diretor do Instituto de Ciências Exatas e Tecnologia da Universidade Federal (ICET/UFAM). Além destes, professores, profissionais liberais, presidentes de associações comunitárias, estudantes e outras pessoas compromissadas com a história, – segundo Rosquildes – “unanimemente botaram ênfase na necessidade de se oficializar o dia 8 de setembro de 1683 – em que foi fundado o primitivo núcleo urbano – como a data magna do Município”.

A discussão do tema em nível legislativo deveu-se ao lançamento, em setembro daquele ano de 2013 – nas dependências do ICET/UFAM, – do livro de nossa autoria “Fundação de Itacoatiara”. Aquela inicial discussão deu ensejo à apresentação, no final do mesmo exercício, de um Projeto de emenda à Lei Municipal número 74, de 27 de setembro de 2008, que define os feriados municipais. Dito projeto transitou pelas comissões competentes da Câmara, porém, por motivos que só a má política justifica, não contou com a simpatia da maioria dos senhores edís, enfim, não foi à frente.

Eis que, em 4 de abril do corrente ano, o vereador Francisco Rosquildes reapresenta o Projeto de Lei, rotulado sob o número 314/2017. O autor objetivamente defende a regularização de uma situação atípica, que tem mexido com a autoestima da população local. Da Tribuna da Casa, na sessão de 21 de junho, elucida:

“[Com a sanção da Lei 74/2008] o Município definiu quatro feriados de natureza religiosa. Um assunto indiscutível, já consagrado entre nós. Todavia, no que concerne ao feriado de natureza civil, exatamente há 39 anos a população tem participado efusivamente de manifestações alusivas a 25 de abril, lembrando-o como a data magna anual de Itacoatiara. Tudo começou no dia 25 de abril de 1974, data do centenário da elevação da antiga vila de Serpa à categoria de cidade, motivo da Lei Provincial nº 283, de 25 de abril de 1874 – evento comemorado com justiça pelo prefeito de então, senhor Aurélio Vieira dos Santos.

Quer dizer: há quase 40 anos vimos agindo de forma equivocada. Não estamos respeitando a história. O assunto tem sido muito questionado. Só para exemplicar: esta Casa Legislativa – instalada em 1º de janeiro de 1759 – completou este ano 258 anos. Nossa principal avenida, aberta em 1870, acaba de completar 147 anos. Como pode a cidade comemorar [em 2017] 143 anos? Esse é um problema para ser tratado com muita responsabilidade.”

O assunto viralizou as redes sociais, conquistou a maior parte das cabeças pensantes da cidade. O ponto central do Projeto de Lei número 314/2017, ora em tramitação na Câmara, é o seu artigo 1º, vazado nos seguintes termos:

“Art. 1º. É considerado feriado municipal civil o dia 8 de setembro, data magna alusiva à fundação, em 8 de janeiro de 1683, da primitiva missão jesuítica que deu origem à cidade de Itacoatiara.”

Na sessão de 21 de junho, além do historiador-expoente, falaram: o vereador Francisco Rosquilde; a juíza da 3ª Vara da Comarca de Itacoatiara, doutora Dinah Câmara; o presidente da Academia de Letras, professor Frank Chaves; o professor mestre em geografia Claudemilson Oliveira; a presidente da Associação dos Artesãos (ARTEITA), professora Maria de Castro; e o ex-prefeito Miron Fogaça. Todos se disseram favoráveis à proposta propugnando pela oficialização no curto prazo da data histórica – à exceção do professor Frank Chaves, que no início da sua fala colocou algumas ideias discordantes, porém, concluiu dizendo-se simpático à causa em discussão.

A exposição deste escriba, tanto quanto possível discorrida de forma pedagógica, contou com o apoio dos operadores do sistema de data-show da Câmara Municipal. Ao final dos debates, a Presidência da Câmara informou que ainda submeterá o assunto, para parecer final, a uma equipe de historiadores das universidades governamentais (UFAM e UEA), e encerrou a sessão. Sínteses da exposição vão a seguir transcritas:

MISSÕES (ALDEAMENTOS) INDÍGENAS

As missões da Amazônia, inclusive a que deu origem à cidade de Itacoatiara, decorreram do ousado plano do padre Antônio Vieira, da Ordem dos jesuítas (Companhia de Jesus), traçado em meados do século XVII. Com muito brilhantismo, a antropóloga paulista Marta Rosa Amoroso (1991), trata desta questão.

Padre Vieira chegou à Amazônia em 1653 e dois anos depois estava em Lisboa para negociar junto à Coroa o regimento que afasta as autoridades coloniais do trato com os índios e passa para a responsabilidade dos jesuítas a administração das aldeias, assim como o gerenciamento das entradas na região destinadas a evangelizar os índios e, portanto, trazê-los à ‘civilização’.

Dois textos fundamentais nascem nesse momento: o Regimento de 9 de abril de 1655, inspirado pelo padre Antônio Vieira e assinado por dom João IV, e o Regulamento das Missões, redigido pelo próprio Vieira. No texto da Lei de 1655, lemos que esse grande líder religioso obteve o total apoio da Coroa portuguesa para efetivar tais projetos na região – naquele momento a Companhia de Jesus é confirmada como a ordem religiosa preferencialmente escolhida para administrar as aldeias, com poderes para enfrentar todas as formas de guerra ofensiva contra os índios.

Porém, os inimigos da causa não descansaram. Em 1661 ocorre a primeira expulsão dos jesuítas de Belém e São Luís. A legislação que se segue atende claramente aos anseios dos colonos: as aldeias indígenas têm sua administração secularizada e passam a ser geridas por capitães seculares. Vieira volta à Corte e é proibido de retornar à Amazônia.

Francisco Gomes da Silva na Tribuna da
Câmara Municipal de Itacoatiara: 21/06/2017.

Mas, Antônio Vieira não cruzou os braços, continuou na luta: tanto insistiu que venceu. Em 1680 vamos encontrá-lo inspirando uma nova legislação que favorecesse os índios. Graças à sua firme atuação, é baixada a Lei de 1º de abril de 1680, retirando das mãos dos capitães a direção das aldeias e conferindo aos jesuítas o monopólio sobre os descimentos e a conversão dos nativos. Em seguida, ainda por inspiração de Vieira, é expedida a Carta régia de 7 de março de 1681, criando as primeiras Juntas das Missões.

A partir daí, começam fortemente as démarches para a criação, entre outras, da missão de Mataurá (afluente do Rio Madeira) – estabelecimento jesuítico que daria origem a Itacoatiara. ATENTEMOS para a Carta de 2 de abril de 1680, – um dia após a decretação da Lei de 1º de abril de 1680 – que o padre Antônio Vieira enviou de Lisboa para o padre Pedro Luís Gonçalves, então superior dos jesuítas da Amazônia, sugerindo o estabelecimento de uma residência (missão) no Rio Madeira!

Finalmente, em 1686, com o Regimento das Missões do Estado do Maranhão e Grão-Pará, – estatuto legal que vigoraria até 1755 – os jesuítas são reintegrados na direção espiritual e temporal das aldeias. Referido regimento nasce sob o signo da conciliação entre as partes em conflito (padres e colonos) e marcaria uma nova fase da política indigenista da Coroa para as missões. Beneficiaria eficazmente a missão que deu origem a Itacoatiara – como trataremos na discussão aberta agora neste Plenário.

LISTA DAS PERSONALIDADES ESTRANGEIRAS QUE – DIRETA OU INDIRETAMENTE – PARTICIPARAM DA FUNDAÇÃO EM 1683 DO PRIMITIVO NÚCLEO URBANO QUE ORIGINOU A CIDADE DE ITACOATIARA – OU ESCREVERAM CONFIRMANDO A VERACIDADE DESSE FATO HISTÓRICO:

01 – Padre Antônio Vieira: Jesuíta português nascido em Lisboa em 6 de fevereiro de 1608. Um dos mais influentes personagens do século XVII: escritor, filósofo e orador da Companhia de Jesus, onde deu entrada em 1623, formando-se sacerdote em 1634. Com a missão de refundar a Missão dos Jesuítas, pacificar a região e ajudar a expandir o domínio da Coroa ao interior da região, chegou à Amazônia em 16 de janeiro de 1653. Por defender os povos indígenas, deu causa a que os colonos de Belém do Pará em 1661 abrissem guerra contra os missionários. O movimento alastrou-se e alcançou São Luís do Maranhão redundando na primeira expulsão dos jesuítas. No dia 8 de setembro, Antônio Vieira e seus companheiros foram presos e embarcados à força para Lisboa.

O retorno dos jesuítas à Amazônia teve início em setembro de 1662 – à exceção do padre Vieira, que foi proibido de voltar. O líder jesuíta faleceu em Salvador, Bahia, em 18 de julho de 1697.

Antônio Vieira – possivelmente autorizado pelo regente dom Pedro II – foi o primeiro agente português a especular sobre a fundação de um estabelecimento jesuítico no médio Rio Madeira. O documento com que se comprova tal assertiva é a carta de 2 de abril de 1680, que ele enviou de Lisboa ao então Padre Superior da Amazônia, Pedro Luís Gonçalves – trechos a seguir:

“Carta do padre Antônio Vieira Sobre os Negócios da Missão” (documento inserido em História de Antônio Vieira, Tomo II, página 420, do historiador português João Lúcio de Azevedo, São Paulo, 2008):

“Quanto a outras missões, em que havemos de residir com os índios em suas terras, a primeira que se deve fazer como Sua Alteza deseja, pelo que importa à conservação do Estado, é a do Cabo do Norte [Amapá], passando para a outra banda do Rio das Amazonas. (…) Ouço dizer aos irmãos que de lá vieram, que acima [da ilha] dos Tupinambaranas há um rio mui povoado de gente de língua geral, e também neste [Rio Madeira] se poderia fazer uma boa missão de residência”.

Aí se revela claramente a intenção do Reino português de fundar a missão que seria o núcleo embrionário da atual cidade de Itacoatiara – possibilidade que três anos depois (1683) o padre suíço Jódoco Perez tornaria um fato real.

02 – Padre Jódoco Perez: Jesuíta suíço. Fundador do núcleo embrionário desta cidade de Itacoatiara. Nasceu na cidade de Friburgo, em 20 de fevereiro de 1633. Ingressou na Companhia de Jesus em 15 de outubro de 1653 e foi ordenado em 19 de junho de 1666. De Lisboa, onde se encontrava em 1672, foi transferido para Salvador/BA e daí mudou-se em 1678 para o Estado do Maranhão e Grão-Pará. Entre 1678 e 1681 pregou a fé cristã em muitas aldeias: foi incansável percorrendo centenas de quilômetros em barcos e a pé pela floresta e rios da Amazônia. De 1682 a 1683 foi reitor do Colégio de Santo Alexandre, em Belém. Entre 1683 e 1690, exerceu o cargo de Padre Superior do Estado. Faleceu em 22 de maio de 1707 em Belém.

Breve histórico da Fundação: No final do século XVII observa-se uma expansão das atividades missionárias com a criação de numerosas missões no Estado do Maranhão e Grão-Pará. A fundação do núcleo que originou Itacoatiara resultou de uma combinação prévia entre a Coroa portuguesa e seus agentes na Amazônia. Três anos antes da viagem de Jódoco Perez ao Rio Madeira, dom Pedro II, através da Carta régia de 1º de abril de 1680, proíbe a escravidão do índio e ordena a criação dos aldeamentos. Expede em seguida a Carta régia de 7 de março de 1681 criando as primeiras Juntas das Missões na América Portuguesa, destinadas a regular e manter os aldeamentos. Tais documentos contribuiriam decisivamente no desenvolvimento do projeto colonial sustentado no plano espiritual – salvação das almas; e no temporal – a expansão e conservação das conquistas do Reino.

Em 2 de abril 1680, o padre Antônio Vieira já advertira o Padre Superior Pedro Luís Gonçalves sobre a enorme população de índios mansos do Madeira e especulara sobre a possibilidade de ali ser criado um estabelecimento jesuítico. Teorizando sobre a criação do núcleo embrionário da futura Itacoatiara, um trecho de sua missiva era revelador:

 “Acima [da ilha] dos Tupinambaranas há um rio mui povoado de gente de língua geral, e também neste [Rio Madeira] se poderia fazer uma boa missão de residência”.

 Com a morte do padre Pedro Luís Gonçalves, no início de 1683, o superiorado regional dos jesuítas passou a ser dirigido pelo padre Jódoco Perez que assumiu no dia 18 de março. Sua primeira missão externa, longe de Belém: viajar ao médio Rio Madeira para fundar a missão dos índios Iruri – conforme desenhara o padre Vieira.

O jesuíta suíço partiu provavelmente a 9 de junho daquele ano e, depois de uma viagem de mais de 1.500 km subindo o Amazonas, a 28 de agosto ingressou no Madeira, e no dia 7 de setembro alcançou a embocadura do afluente Mataurá, na sua margem direita. Ao todo foram noventa dias de viagem à vela e a remo – confirmando a exposição de Bettendorff, feita noutra circunstância: “Para fazer nova missão na aldeia Iruri gastaram três meses de viagem sem perigo”.

A comitiva de Perez seguiu numa canoa grande com tolda feita de tábuas na popa. Além dele, integravam-na o irmão Antônio Ribeiro, dois ou três serviçais e cerca de oito índios remeiros. Antes da chegada, pararam em diversas aldeias. Às vezes dormiam na canoa sobre o rio; outras vezes procuravam lugares para pousar isentos de banzeiros. A maioria das paradas era para consertar a canoa, descansar, dizer missa e se municiar de víveres.

Após o desembarque, houve a costumeira troca de presentes intermediada pelo irmão Antônio Ribeiro. Companheiro de Jódoco Perez, durante todo o seu superiorado, o leigo Ribeiro era conhecedor da língua geral e tratava bem com os índios.

Supondo-se que já anoitecia, só na manhã do dia seguinte, 8 de setembro, Jódoco Perez mandou erigir uma cruz, celebrou missa e, perante toda a gentilidade, fundou o núcleo embrionário da cidade que haveria de vir. Era Dia de Nossa Senhora da Luz e marcaria a primeira data histórica fundamental na vida cristã e civilizada da futura Itacoatiara.

Antes de ir à região, padre Perez analisou mapas, fez consultas e anotações. Bettendorff preleciona: “O padre Jódoco (…) tinha ouvido coisas grandes do rio da Madeira, foi o primeiro superior da Missão que entrou por ele…”. Serafim Leite complementa: “[A viagem] não exclui entradas anteriores de outros padres, que não fossem superiores da Missão”. Realmente, digo eu: em 1669 os padres Bettendorff e Pedro Luís Gonçalves estiveram no baixo Rio Madeira visitando a missão dos Tupinambaranas. Também em 1672 transitaram por lá, os missionários Manuel Pires e João Maria Gorzoni.

De volta do Madeira Jódoco Perez alcançou Belém no final de outubro de 1683. Trazia o filho do cacique Mamorini para aprender português em Belém e, na volta, servir como intérprete da sua tribo. Dali ao começo do próximo ano, a região viveria em estado de intranquilidade gerado da insatisfação dos moradores de São Luís em relação à revogação da Lei do Escambo. O padre superior, em carta de 27 de dezembro que endereçou ao Padre Geral, em Roma, expôs a situação e sugeriu medidas para resguardar o futuro da Missão. O motim do Estanco, ou a revolta de Beckman, – que precipitaria a segunda expulsão dos jesuítas, – estourou em 24 de fevereiro de 1684. Perez, que retornava a São Luís foi preso com seus companheiros e deportado a 26 de março. Expulso da região, em 1684, pelos amotinados de São Luís, o barco em que ele e seus companheiros iam deportados, foi atacado por piratas estrangeiros, e então foram duramente torturados.

Contornada a situação, Jódoco Perez viajou para Lisboa em 17 de janeiro de 1685, a fim de levar ao conhecimento da Corte a expulsão dos jesuítas, e de lá retornou em maio de 1687. Veio em companhia do governador Arthur de Sá e Menezes, o qual trazia recomendações do rei de Portugal para “ajudar a nova missão do Rio Madeira”.

Quanto aos índios Iruri – primeiros habitantes de Itacoatiara – Bettendorff os define como “nação afamada sobre todas as mais… índios de paz” e de linhagem ‘nobre’. Grupos de língua isolada eram peritos nas artes de torrar farinha e conservar peixes. Dirigidos pelo poderoso tuxaua Mamorini, eram “repartidos em cinco aldeias”.

Corria lenda que procediam de uma mulher-deusa que veio prenhe do céu e pariu cinco filhos: Iruri, Aripuanã, Onicoré, Torori e Paranapixana, dando origem às respectivas tribos. Surpreendida mais tarde por seus filhos comendo peixe moqueado, a deusa-mãe ficou tão envergonhada que resolveu voltar para o céu. Daí em diante, os índios Iruri não mais comeram peixe assado no moquém.

O tuxaua Mamorini morreu no começo do século XVIII. Seu nome traduzia respeito, resistência e imortalidade. Lembra a mamorana-grande, irmã da sumaumeira – a mãe de todas as árvores. Suas imensas raízes de sustentação, chamadas sapopemas, ao simples baque de pau, emitem um som grave que ressoa a longas distâncias. Por isso, os Iruri (e outros povos indígenas) tornaram esse fato natural um meio de comunicação rudimentar, uma espécie de “telefone da floresta”.

03 – Padre João Filipe Bettendorff: Jesuíta e historiador alemão nascido em 25 de agosto de 1627 na cidade de Luxemburgo, onde entrou, em 1645, na Companhia de Jesus. De Portugal, veio para o Maranhão onde aportou em 20 de janeiro de 1661, e daí seguiu para o Grão-Pará iniciando sua longa vida missionária na aldeia de Tapajós (atual Santarém). Duas vezes superior da Missão dos Jesuítas (1668-1674 e 1690-1693), morreu em Belém em 5 de agosto de 1698.

Ao centro, o historiador Francisco Gomes, ladeado, a partir da esquerda, pelo Senhor Natanael Oliveira, representante do Prefeito; Senhora Nilda Batista Abrahim, assessora-chefe da Presidência da Câmara; Ex-vereadora Lizette Bouez Abrahim; Vereador Francisco Rosquilde; Senhora Maria de Castro, Presidente da ARTEITA; e Senhorita Tânia Chantel Freire, assessora do Vereador Rosquilde

 Autor do célebre livro “Crônica da Missão dos Padres da Companhia de Jesus no Estado do Maranhão”, escrito em 1694/1698, o qual somente dois séculos depois seria traduzido no Brasil: sua primeira edição, no Rio de Janeiro, data de 1910, e a segunda, em Belém, é de 1990.

Do Capitulo 14, página 354 e seguintes da segunda edição, que reporta aos fatos do ano de 1683, retiramos os seguintes trechos, cujos grifos comentaremos em seguida:

 “Navegou o Padre Superior Jódoco Peres pelo rio das Amazonas à riba, e como tinha ouvido coisas grandes do rio da Madeira, foi ele o primeiro superior da missão que entrou por ele, para ver se lá podia pôr uma nova residência; ao cabo de uns nove dias de viagem, chegou aos Irurizes, nação afamada sobre todas as mais; praticou-os sobre a nossa Santa Fé, e ficou com eles que lhe mandaria um Padre missionário para lhes assistir, e para que lhes não faltasse língua trouxe consigo um filho do principal para o Pará, para lá aprender a língua geral em o Colégio, onde ficou até que a soube, recebeu o santo batismo, algum tempo depois; e voltou com o Padre João Ângelo, o qual com o Padre José Barreiros, companheiro seu, foi mandado para missionário dos Irurizes. É este rio da Madeira um dos mais famosos que há pelo Estado, por grande e espaçoso, porém demorado pelas caldeiras que tem, em que somem canoas com tudo o que levam, havendo descuido dos guias ou pilotos, e tem várias castas de peixe, até peixe-boi, piraíba, mas os índios nãos os comem, sustentam-se de uma casta do peixe que chamam Tambaquiz, mui gostosos; as suas águas são as mesmas como as do rio das Amazonas, pois é braço dele, que muitas jornadas para cima se reparte, fazendo uma ilha grande em que moram os Irurizes e outras muitas nações; as suas terras são boas para todo o gênero de mantimentos, suas matas têm muita caça de porcos, cotias, pacas e pássaros; porém os Irurizes não matam nem comem porco do mato; e só são amigos de pássaros que têm por seu mais regalado sustento”.

 E prossegue Bettendorff em seus comentários:

 “Tinha o Padre João Ângelo vindo do Brasil em outubro do ano de 1688 (…) com a tenção de ser o primeiro missionário do rio da Madeira, onde o Padre Superior destinava de fazer nova missão na aldeia dos Irurizes, mandou-o para lá pelas festas do Natal, dando-lhe por companheiro o Padre José Barreiros. Foram-se, com grande ânimo, e gastaram três meses de viagem sem perigo (…). Chegados à boca do rio dos Irurizes, dois dias distante da aldeia, toparam com o principal Mamorini, que vinha em uma canoa grande remada por quantidade de mulheres, trazendo um só índio criado seu consigo…

 Mamorini mandou aviso a todas as aldeias pertencentes aos Irurizes para que viessem visitá-los. Vieram eles com seus costumados presentes, aos quais o Padre João Ângelo correspondeu (…); com isso foram-se todos mui satisfeitos, e os padres deram logo ordem a fazer-se igreja e residência em a aldeia de Irurizes, onde se achavam alguns brancos tratando de cacau que há muito e bom por todo aquele rio, e se estima por melhor do Estado, pela grandeza e doçura que tem maior do que em outras partes fora do rio da Madeira”.

Glossário: Amazonas à riba: significa “Amazonas acima” / Rio da Madeira: o mesmo que Rio Madeira / Nova residência: Nova sede missionária, ou sede da missão / Nove dias de viagem: tempo contado da foz do Rio Madeira à entrada do seu afluente Mataurá / Irurizes: Referência aos Iruri, índios dessa tribo / Praticou-os: Tratou com índios, ou ensinou-lhes a fé cristã / Ficou com eles: Acertou, ou combinou com índios / Não faltasse língua: Não faltasse intérprete / Principal: O chefe, ou cacique, ou tuxaua indígena / Colégio: Escola dos jesuítas, ou Colégio de Santo Alexandre, em Belém / Até que a soube: Assim que aprendeu a língua geral / Caldeiras: Quedas d’água, corredeiras, ou pequenas cachoeiras / Castas de peixe: Espécies, ou tipos de peixe / Tambaquiz: Refere-se ao peixe Tambaqui / Braço dele: Afluente do rio / Jornadas: Marchas, ou caminhadas de vários dias / Com a tenção: Com a intenção, ou o objetivo / Destinava de fazer: Determinara antecipadamente fazer, ou fixara previamente que se fizesse / Festas do Natal: O dia de Natal / Boca do rio: Foz, ou embocadura do rio / Principal Mamorini: Cacique, ou tuxaua da tribo dos Iruri / Fazer-se igreja:Construir, ou levantar igreja / Brancos: Homens de pele clara, referência a colonos portugueses.

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3 respostas

  1. Como é que vou duvidar de um homem que devotou a vida inteira aos assuntos de Serpa, especializando-se na historia de Itacoatiara? Foi a Portugal; a Europa; recorreu até ao Papa para obter informações do Instituto Jesuítico referente a essa questão… Parabéns meu amigo Francisco Gomes por sua tese! Parabéns vereador Francisco Rosquildes pela!

  2. Como é que vou duvidar de um homem que devotou a vida inteira aos assuntos de Serpa, especializando-se na historia de Itacoatiara? Foi a Portugal; a Europa; recorreu até ao Papa para obter informações do Instituto Jesuítico referente a essa questão… Parabéns meu amigo Francisco Gomes por sua tese! Parabéns vereador Francisco Rosquildes pela persistência!

  3. Essa é a nossa história viva, pulsante, desafiadora e inspiradora da bravura e coragem dos nossos antepassados. Parabéns ao trabalho minucioso e que resgata as páginas mais fascinantes da história da nossa encantadora Itacoatiara. Parabéns ao autor.

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