Manaus, 12 de março de 2025

Crônicas do Cotidiano: “Ainda Estou Aqui” e outras coisas mais

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“Ainda estou aqui” é mais um repto ao Senador Auro de Moura Andrade, ventríloquo dos golpistas de 1964, que da cadeira da Presidência do Congresso Nacional, onde jamais deveria ter sentado, proclamou: “Declaro vago o cargo de Presidente da República”, mesmo sabendo que João Goulart ainda estava em território nacional. Abriam-se, assim, as portas do poder à ditadura que se prolongaria por 21 anos, reinventando-se com a sordidez que a alimentava: usurpação de poderes, supressão das garantias e direitos de todos os cidadãos brasileiros, tortura como método de vingança contra quem lutava por um país melhor, mesmo pensando diferente dos poderosos; e, no íntimo, exercendo os instintos sórdidos existentes nos seres humanos, representados pelo ódio, pela vontade de aniquilar “inimigos internos”, usando a covardia; e, por fim, a ganância, desviando dinheiro público para apaniguados e levando vantagens em tudo. Tanto quanto hoje, o dístico fascista “Deus, Pátria e Família” juntos assim, anunciam a desgraça de um povo, de uma Nação. Deus é bom para todos que creem nele, a Pátria é necessária e digna de respeito e a Família é o nosso berço natural mas não se prestam aos interesses da mentira dos que desejam destruir a democracia e a dignidade humana. Assim, o livro de Marcelo Rubens Paiva, a obra cinematográfica dirigida por Walter Moreira Salles, o talento dos atores e do corpo técnico do filme, lavam a nossa alma com a premiação recebida e nos propõe uma reflexão profunda dos rumos da humanidade, que busca retomar os mitos e ritos de um passado que imaginávamos derrotado e que ressurge com os partidos de extrema direita (neofascistas) e com os espasmos autoritários de um “imperador fake”, sem coroa, que atazana a ordem universal e as instituições mundiais.

O fato de ser o Oscar uma premiação dada pela Academia Cinematográfica Americana, representante maior da indústria cultural universal, não nos autoriza a virar as costas para esse feito. Assim como o poeta Jorge de Lima se referia à “mulher proletária” como uma fábrica que fornece “anjos para o Senhor Jesus” e “fornece braços para o senhor burguês”, também, a Burguesia como classe social, algumas vezes fornece e premia “rebeldes defensores” das vítimas dos mais infames caprichos do capitalismo burguês, quais sejam: perpetuar a miséria entre seres humanos que não lhes interessam; explorar a força de trabalho dos mais pobres; e usar a força do Estado contra todos aqueles que os defendam, venham de que classe for. Assim como Friedrich Engels, no Brasil, foi Caio Prado Júnior, filho da mais rica burguesia paulista, tornado o intelectual orgânico do socialismo brasileiro; foi assim com Rubens Paiva, filho de um Senhor de Terras da burguesia agrária paulista e agora, Walter Moreira Salles, filho e herdeiro de um dos mais importantes banqueiros brasileiros; e muitos outros que poderíamos citar como “filhos da burguesia” e estigmatizados por regimes autoritários. O momento da vida brasileira é confuso, pois um fascismo latente permeia a parte maior da crítica social pequeno-burguesa, aderindo às “vivandeiras de plantão”, que se alimentam da cizânia, da orientação política emanada da mídia tradicional ou das bolhas da internet. Assim posto, na sua contemporaneidade, o filme cumpre triplo papel: despertar a reflexão universal sobre os perigos da “violência do autoritarismo”; internamente, tocar em nossas feridas, abertas por uma anistia que no passado fez vista grossa sobre a cumplicidade de torturadores e golpistas, que ainda tiram o nosso sono e nos deixam, de vez em quando, em pânico com suas ofensivas, mesmo  fracassadas; e, sobretudo, exalta a luta de uma mulher – Eunice Paiva-, em nome de todas, como símbolo de resistência a tudo que as enfraquece na sociedade patriarcal misógina brasileira, que as quer como “submissas, recatadas e do lar”, sem vontade própria.

Portanto, a arte brasileira reafirma compromisso com a problemática nacional sem recorrer  ao ranço nacionalista ou regionalista. Afinal, nossas diferenças existem porque coabitamos ambientes naturais e culturais diferentes, que geram modos de vida diferentes, às vezes indesejados, por primarem por supremacismos de raça, de cor, de renda, de gênero, de sexo e até geográficos. Neste momento, a nossa urgência é universal: respeito à dignidade humana!

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