Manaus, 26 de julho de 2024

Crônicas do cotidiano: Deu no que deu: “tempos verdadeiramente perturbadores”

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Acho que já nasci um “animal político”. Dizia minha Mãe (e desculpem os leitores por ultimamente ter lembrado muito dela em meus textos) que, ainda no seu colo, ou de alguém, aprendendo a falar, eu frequentava os comícios e fazia as minhas opções, com certeza, sem fundamento algum, muito mais com base na alegria que emanava daqueles encontros das campanhas políticas, com foguetório, com discursos inflamados de candidatos, ataques nem sempre “politicamente corretos”, vistos à luz do atual estágio do processo civilizatório, mas, assim mesmo, bem menos “perturbadores” que os dos tempos atuais. Enfim, a democracia estava renascendo e florescendo após a Ditadura de Vargas. E as crianças menores podiam ir aos comícios, acompanhadas dos pais, pois eles ainda eram recomendados a menores de 16 anos.

E que perturbações são essas de agora? Ora, imagine uma Mãe brasileira, hoje, após um comício, ter que responder à perguntas de um filho curioso, em decorrência do pronunciamento do Senhor Presidente da República, num comício de campanha para reeleição: “o que é imbrochável, Mamãe?” Ou, ainda pior: “Mamãe, o papai é imbrochável assim como o Presidente?” Creio que a Ministra Rosa Weber, em seu discurso de posse como Presidente do Supremo Tribunal Federal, ao se referir aos “tempos verdadeiramente perturbadores”, com a Constituição nas mãos, ela também se referia à essas perturbações, pois a nossa Carta fala veementemente sobre as obrigações do Estado e da família para com os pequeninos. A forma debochada como tais locuções foram feitas pelo candidato e o contexto no qual foram proferidas é que perturbam, e não o que significam; ditas de outra forma, em outra ocasião e em local apropriado, se referem a coisas intrinsecamente humanas, e que não devem ser objeto de vanglória ou condenação, por ninguém.

O rol das perturbações é bem maior que os excessos verbais e vai além da obscura pauta de costumes, que ratifica preconceitos e alimenta a violência contra mulheres e minorias de todos os naipes, seja por gênero, cor, raça, ideologia, opção sexual ou religião. É a perturbação intencionalmente fabricada, com objetivo de obter resultados imediatos nas eleições que se aproximam, mas, também, com um olho no futuro próximo, que garantirá o poder e a demolição das convicções democráticas instituídas: como o Estado Democrático de Direito; como o esforço para superar as desigualdades e, por fim, ao “tronco” ao qual as camadas abastadas e vitoriosas, desde os começos da Nação (herdeiras de barões, de traficantes e compradores de escravos), nos condenaram; como o esforço para nos equipararmos aos que defendem compromissos com um planeta sustentável; como a crença na educação e na ciência, meios mais adequados para superarmos a pobreza e a barbárie.

É inconcebível que o contingente de perversos e mesquinhos aumente todos os dias, entre os poucos que ficaram ricos, por meios escusos ou não, e entre os que não tem nada além do desejo de enriquecer em posses e maldade e aliar-se ao reacionarismo de direita, a nova onda ideológica em revival pelo mundo. Tudo quer ressurgir das trevas do “medievo escuso” para o mundo hodierno e negar a história: um cristianismo reformado fundamentalista do “olho por olho”; um “catolicismo torquemada”, de alguns Bispos e clérigos toscos; supremacismos abomináveis; revolta contra a conquista dos direitos fundamentais; negação até dos princípios do liberalismo político; e a predileção por modos de governança direta entre lideranças carismáticas autoritárias e povo.

Povo, no caso mencionado acima, tido como o conjunto de sujeitos submetidos a uma servidão voluntária, em nome de valores e modos de vida que convém a esse tipo de ideário e práticas de inspiração fascista, parte de um perigo maior inominável, que ronda o mundo e que, portanto, precisa, mais uma vez, ser derrotado. São coisas que estão sendo aceitas por muitos como naturais, mas verdadeiramente perturbadoras!

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