O ditado é popular, já foi enredo de Escola de Samba (Unidos da Tijuca, 1983), está na boca do povo e parece atualíssimo para a ocasião que vivemos, quando todos os nossos referenciais, todas as nossas fontes de informação, todas as nossas convicções ideológicas, políticas e estéticas parecem ter entrado em estado de choque. Meus títulos e meus cinquenta anos como professor de jornalismo me asseguram o tal “lugar de fala” e nada valem, pois escorrem pela parede como lágrimas, passadismo ou sensação de fracasso, depois de zapear todas as estações do meu pacote de TV paga, de percorrer todos os sites de informação que o meu celular oportuniza; de passar a limpo os abalizados comentaristas dos grandes jornais e ler as resenhas com os comentários internacionais das agências de notícia. Não é birra, não é sentimento de superioridade; não se trata daquela veneração pela “teoria do passado rosa”, que normalmente ataca os mais velhos e os obriga a considerar o “seu tempo” como o melhor de todos os tempos. Tem despreparo no meio, tem má-fé, tem esperteza nesse alto grau de entropia pelo qual atravessa a imprensa brasileira. Tem desespero também de profissionais competentes que estão sendo ameaçado pelas mudanças nas formas contratuais de trabalho e tem exploração excessiva dos profissionais do jornalismo da mídia tradicional, em cujas costas recaiu a responsabilidade de concorrer com o Jornalismo da Net, os influencers e os disseminadores de fake news, esses dois últimos, donos do “antijornalismo”.
Acusar não é o melhor caminho, constatar alguns indícios, como fizemos acima ainda não é suficiente, embora um aprofundamento da questão seja quase impossível de ser feito neste momento de tanta ebulição. Nunca tivemos um jornalismo independente das circunstâncias econômicas e políticas do país, coisa difícil de existir no mundo todo, mas muito mais difícil em países como o nosso, cuja pedra angular é a desigualdade abissal. Os lobbies fortes e carimbados orbitam os poderes e tornam-se as fontes de informação ditas “confiáveis” da mídia tradicional, provocando a hipertrofia das informações e interferindo diretamente na análise e interpretação dos fatos sociais que levam à elaboração da notícia sobre os mesmos e sobre a dimensão opinativa do jornalismo, tão importantes para a formação da opinião pública. A liberdade de imprensa, no seu sentido liberal, exige os contornos legais; e, na sua ausência, fenece porque nem todos são efetivamente iguais em direitos numa sociedade desigual; faltam os substratos necessários para o usufruto por todos.
A alta concorrência, por sua vez, leva a uma disputa pela audiência, por leitores ou seguidores. Dela depende a saúde financeira das empresas de comunicação. Ademais, a diversidade e a complexidade dos acontecimentos no mundo hodierno exigem mais recursos para apurações confiáveis, exigem mais expertise para livrar-se de armadilhas, de visões ultrapassadas que distorcem a realidade dos fatos produzidos na esfera das relações sociais, da política, da economia e da cultura, sobretudo aqui no Brasil. É de se esperar: gente que se repete nos comentários como se ainda estivesse em plena guerra fria, que aborda os fatos com a fleugma de “ocidental supremacista” ou mesmo como lambaio dos economistas que administram os fundos das famílias ou conglomerados empresariais, com mando nos mercados, apontando para o abismo se as coisas não saírem a contento dos que representam. Os “especialistas” trazidos para o debate público não raro são os mesmos que sabemos ser as fontes dos apresentadores, sem nenhuma cerimônia, para conferir autoridade ao que defendem, inclusive posições político-ideológicas e religiosas.
Uns culpam esse estado da arte ao fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício profissional; outros atribuem à polarização política a causa principal; outros, ainda, aos financiadores das Redes de Comunicação e Provedoras de Conteúdo; e os mais preconceituosos, aos consumidores. Pessoalmente, coloco-me entre os que entendem que tem algo mais que ainda não percebemos, mas custo a crer que tenha a ver com uma outra afirmação corrente de ser o jornalismo um gênero ultrapassado.
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