Manaus, 16 de setembro de 2024

Crônicas do Cotidiano: Jogos de Linguagem e Jogos de Poder no Brasil

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Crise de Identidade? Não! Emergência das deformações históricas? Mais ou menos! Ignorância? Sim!, Negacionismo? Sim! Desigualdade? Sim! Banditismo? Sim! Racionalidade? Não! E, assim por diante, temos flashes radiográficos de momentos que vivemos. O “país do futuro” vive um bate cabeças sem tamanho: “sem rumo e sem prumo”, como se costuma dizer dos que perdem o tino. E não me venha dizer que essa sem-vergonhice a olhos vistos, à luz do dia, é de agora. O velho pode ser tudo isso, revelação da realidade nua e crua dos modos de tratar a economia, a política, a convivência social, o mundo acadêmico da chamada “alta cultura”, porque sempre recusamos passar a limpo essas coisas. Portanto, a crise de identidade é coisa velha, uma patologia nacional com a qual nos digladiamos há muito, e nada esclareceu ou acalmou a desconfiança em nós mesmos. Refiro-me às muitas dicotomias que tentam explicar o caráter errante de nossa formação social: feudal versus capitalista, questão na qual se envolveram Roberto Simonsen e Caio Prado Júnior; o Brasil da Casa Grande e da Senzala, de Gilberto Freire; os Dois Brasis de Jacques Lambert, o Brasil Arcaico e o Brasil Novo; o Brasil do Cone Sul (como sonhavam os higienistas), branco e ocidentalizado e o Brasil Caribenho, que “vem do Norte … tomando de assalto sua cultura (a cultura do sul dita verdadeira)…mais brasileiro…mais latino-americano, cucaracho, caliente, orgulhosa e assumidamente negroide”, pensado assim tão preconceituosamente por Fernando Pedreira, jornalista, escritor e Embaixador do Brasil na UNESCO no Governo FHC (Artigo publicado no Jornal do Brasil (1982) e citado por Muniz Sodré em O Fascismo da Cor, Ed. Vozes). E não podemos esquecer o Brasil do Homem Cordial, de Sérgio Buarque de Holanda, que tanta má interpretação anima aos que distorcem o significado de “cordial”, divergindo até do autor de Raízes do Brasil ao explicar que se referia ao modo de agir do brasileiro, mais com o coração do que com a razão. Essas tentativas acadêmicas para explicar nossos atrasos e desigualdades sociais emergem segundo as conveniências no discurso dos intelectuais orgânicos, até chegarmos aos modismos do momento: o país polarizado entre esquerda e direita; o Brasil dos Homens de Bem e o Brasil dos Impuros; o Brasil de tantas outras dicotomias que brigam entre si para encontrar um lugar ao sol. A ignorância que temos sobre nós mesmos é incomensurável! E dela sempre se nutriram poderosos, oportunistas, racistas, xenófobos, “novos ricos”, criminosos de todos os calibres (antigos e atuais) que viram elite, pois não se ensina o Brasil verdadeiro aos brasileiros. Pelo contrário, distorcemos a linguagem, favorecendo o banditismo que vira poder, amplia o império da ignorância e mantém o status quo.

Não se trata de desprezar os discursos para perscrutar o que nominamos de “formação social errante”. Eles refletem os jogos de linguagem e de poder, que para Ludwig Wittgenstein “dizem respeito a modos de vida” e esses modos de vida, historicamente refletidos em jogos de poder, nos trazem à sociedade real que temos, mas que continuamos a negar por falta de compreensão da real totalidade. Aqui e ali coisas refletem esse real, parte de desses jogos: herdeiro da monarquia no Parlamento da República relatando um projeto do partido de direita ao qual pertence para limitar poderes do STF; origens familiares do generalato associadas ao latifúndio e aos golpes de estado no país; origem dos financistas nas famílias tradicionais de comerciantes de escravos, por mais de 200 anos, que precisavam lavar o dinheiro sujo do tráfico de humanos; bandeirantes e mineradores como grileiros bem-sucedidos, desde a Colônia; domínios familiares de usineiros da cana-de-açúcar, cafeicultores e coronéis de barranco, ordenadores de poder numa sociedade escravista, amparada na violência e no terror, que inspirou o medo da vingança de parte a parte. Tudo isso é substância das linguagens que geram modos de vida, de subalternidade, de apagamento de costumes, de culturas e de crenças dos inferiorizados e submissos. Esse caudal de questões não resolvidas nos consome: práticas perversas, sentimentos difusos, medos do outro, horrores! Tudo compõe a linguagem do viver, peças dos jogos de cartas marcadas e em curso no mundo real, onde a simplificação linguística de “direita” e “esquerda” diz quase tudo do que falamos acima.

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