Manaus, 30 de junho de 2025

Crônicas do cotidiano: “Não há mal que sempre dure”

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“Não é o caso de minimizar os ganhos que a democracia liberal representou e ainda representa do ponto de vista da redução da violência política aberta e, portanto, da ampliação das possibilidades da ação política dos dominados. Muito menos é possível negar a gravidade das ameaças à democracia ainda existente ou desprezar o papel da nova extrema direita na produção de mundo social cada vez mais iníquo e violento… Afinal, a crise é a demonstração da vacuidade de qualquer institucionalidade que, por mais que esteja inscrita nos códigos, não repouse na correlação de forças na sociedade” (Luís Felipe Miguel, Democracia na Periferia Capitalista: impasse do Brasil, BH: Autêntica, p. 285-286, 2022).

A afirmação contundente é aquela que pode até dispensar comentários. Não é o caso aqui, senão a crônica ficaria somente com um parágrafo e o cronista devendo ao leitor o que ele espera de quem põe a cara acima do muro. Somente em respeito às convicções alheias não se pode aceitar a clarividência das observações feitas pelo autor citado acima. Primeiro, elas não foram feitas em função, apenas, do calor da hora; e, segundo, decorrem de uma longa digressão, fundamentada em fatos e dados que nos remetem à situação contextual mundial, na qual inseriu-se o Brasil. E diria mais, como a mão e a luva, pois a nossas elites predatórias, em parte são herdeiras de acumulações espúrias. Artificiosas, ao impedir a emancipação dos dominados, usando formas discursivas e práticas que favorecem: subalternidade; negacionismo; racismo; supressão de direitos diversos; promessas de meritocracia não cumpridas; alianças com o clero obtuso e, agora, com o “salvacionismo calvinista capenga”. Salvo engano, foi assim que chegamos a essa radicalização, quando parte significativa do povo foi se entregando de “corpo e alma” ao autoengano e vendo os diferentes de si como inimigos. Pela densidade e militância, constituem-se em força social poderosa e precisa ser levada em conta. Não é uma força qualquer, está empoderada pelos formuladores das práticas neoliberais, a quem se submetem avalizando a captura do estado e passando por cima das instituições e dos “códigos escritos”, que asseguram conquistas de direitos. A esquerda perdeu o domínio das pautas da economia e da luta de classes e, para reerguer-se, busca as composições com o chamado “centro” do espectro sociopolítico, cheio de recalques, sem a certeza de que prosperarão. Daí os impasses, daí a vacuidade, que só favorece aos mesmos de sempre.

Já vimos esse filme outras vezes, esse namoro “concupiscente” e engenhoso entre religião, economia e política. Na modesta cidade onde eu nasci, corria uma velha lenda religiosa/política, tida como um “milagre”: narra a ação do pároco local, que desceu em procissão, com representantes do povo cristão, até o cais do porto, à beira do Rio Amazonas, para negociar com os revoltosos; trazia à frente, no esplendor, o “Santíssimo Sacramento”; e, em ato de fé, ali permaneceu até que a batalha entre as “forças revolucionárias da ordem” vencessem o inimigo: os navios “Jaguaribe” e “Andirá”, dos “constitucionalistas”, são postos a pique. E o Amazonas confirma a sua adesão incondicional às “forças getulistas do bem”, já inspiradas no Integralismo nascente. Acontecida em 24 de agosto de 1932, é conhecida como a Batalha Naval de Itacoatiara-Amazonas, onde se digladiaram as forças da Revolução Constitucionalista de 32 (iniciada por São Paulo) e as Forças Getulistas, descrita em detalhes pelo historiador Francisco Gomes da Silva, na obra “Itacoatiara: roteiros de uma cidade”. Apesar do “milagre”, passada a batalha, a cidade nada ganhou com isso, mas o pároco, o representante dos comerciantes e o prefeito continuaram mandando na cidade por todo o tempo que durou a Ditadura Vargas e um pouco mais.

É preocupante! Se Itacoatiara, um microcosmo do Brasil, reproduziu interesses tão distantes, imagine-se o Brasil, que para a Extrema Direita Internacional, atualmente, é uma esperança de vitória! A batalha já começou, não é nos rios, é nas nuvens e na consciência política dos cidadãos.

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