Manaus, 28 de outubro de 2025

Crônicas do Cotidiano: O Golpe e a “autópsia” dos insensatos

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Pela primeira vez estamos tendo a possibilidade de conhecer a anatomia de um Golpe de Estado. E, pasmem, a razão de tudo isso se deve ao fato de não ter sido consumado. O que nos confere o juízo de que Golpe Consumado não tem cadáver e, sem ele, não há necrópsia e muito menos enterro solene: só festa, comemoração dos vencedores, algozes da ordem democrática, e a apresentação exaustiva aos vencidos da nova casta com poder de mando. Cadáveres, só dos inimigos, de preferência em locais incertos e não sabidos. Quem viu um golpe consumado sabe bem como é: conspiradores vitoriosos mostram a cara risonha, convictos de que estavam do lado certo e outros, mais cretinos, imaginam-se como heróis: desfilam, comemoram, exigem respeito e reverência, desejam ser bajulados, sobretudo por aqueles sempre dispostos a aplaudir a insanidade.

Logo após o “golpe que nos impôs a Ditadura Militar de 64”, a bandeira do Brasil era exposta obrigatoriamente em todos os lugares para lembrar o lema ideológico “deus, pátria e família” dos nazifascistas chegados ao poder da República. Conheci uma senhora, tida pelos seus congêneres como uma “grande educadora”, defensora estremada da ditadura. Onde essa senhora entrava, brindava a todos com uma cena patética: ante a bandeira nacional ajoelhava-se, benzia-se e beijava a franja do “lábaro estrelado” como quem beija o ente amado; suspirava, olhava para os lados, levantava-se contrita e tomava um lugar que às vezes nem era seu. Ela entrou para a história… história da ditadura, à qual prestou relevantes serviços!

Outra cena grotesca deve ser lembrada: a fila de “babacas” esperando a vez para colocar seus cordões de ouro, anéis e alianças em uma urna guardada por praças do exército brasileiro, ao pé de nossa Bandeira, na campanha do “Ouro para o bem do Brasil”. Todo o ouro coletado diziam, seria dissolvido e entesourado em barras para o pagamento da dívida externa, feita pelos “comunistas”. Dizem as más línguas que tais joias foram abiscoitadas depois pelas damas e esposas dos golpistas. Vi, também, ato de coragem, como do então Governador do Amazonas que, ao discursar na abertura do Festival Folclórico, toma conhecimento da cassação do seu mandato: discursou, denunciou a arbitrariedade e ali permaneceu até ser preso e levado ao Quartel General. Conheci o Arcebispo que levava bilhetes escritos por familiares, colados na bainha da batina, em suas visitas aos presos políticos. Conheci, ainda, homens dignos, que perderam tudo que tinham, proibidos até de exercer a profissão, acusados como “comunistas”. E vi, também, caras novas e indecentes, tidas como “salvadoras da pátria”, locupletando-se com o poder das forças abjetas que lhes eram facultadas. Vi meganhas ensacando os livros do colégio onde eu estudava para periciá-los sob a alegação de serem de autores subversivos. Portanto, o que vimos no início de julgamento dos golpistas de agora ainda é pouco, mas revelador do caráter dos insurgentes e do ódio que carregam n’alma!

Os golpes de estado iniciam-se no Brasil em 1824, quando D. Pedro I dissolve a Assembleia Constituinte e outorga a Primeira Constituição; segue-se o Golpe da Maioridade, que eleva ao trono D. Pedro II (1840) para impedir o fim da Monarquia; e o golpe do Duque Caxias, em 1868, que obriga o Imperador a usar o seu Poder Moderador para dissolver o Gabinete Liberal e chamar os Conservadores a formarem um Gabinete e garantir-lhes 10 anos de poder. Os golpes militares se iniciam com a Proclamação da República (1889), se repetem com Deodoro em 1891, seguido pelo Golpe do Marechal Floriano, no mesmo ano. A República Velha é uma sucessão de Golpes com eleições à “bico de pena” e fraudadas, até a Revolução de 1930. Seguiu-se o autogolpe de 1937 (Estado Novo); Juscelino assume após o Golpe do Marechal Lott para garantir o resultado da eleição. Chegamos, enfim, ao golpe militar com o apoio civil em 1964, cruel, infame e duradouro. Temos, ainda, o golpe contra Dilma Rousseff, ensaio reanimador dos insensatos: derrotados nas últimas eleições livres, estão agora com seus “cadáveres políticos” sobre a mesa. Que o STF cumpra a missão de autopsiá-los com justiça e, assim, os culpados sejam punidos exemplarmente!

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Uma resposta

  1. Ensaio esclarecedor, lúcido e comprometido com uma geração de brasileiros que acredita na democracia e no respeito às nossas tradições republicanas. Parabéns, Prof. Walmir, Magnífico e Inesquecível Reitor de nossa querida UFAM.
    Prof. Marcílio de Freitas

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