Manaus, 16 de setembro de 2024

Crônicas do cotidiano: “O que poderia ter sido e não foi”

Compartilhe nas redes:

Nenhum Estado-Nação nasceu em um só dia. As Declarações de Independência são atos formais que consolidam um processo, às vezes longo e sofrido, às vezes negociado pacificamente, mas sempre traumático para um dos lados ou para os dois. Não é só pelo fato de termos como marco histórico o tal “Grito de Independência” que a importância da data ficou diminuída. Consta, para efeitos legais, que a Declaração de Independência do Brasil foi assinada na forma de Decreto pela Princesa Regente Maria Leopoldina, futura Imperatriz do Brasil, no dia 2 de setembro de 1822. Esse é o fato histórico, fruto de decisão colegiada, que confere ao Brasil a condição de Estado Soberano.

O ato declaratório de separação de Portugal foi uma decisão da “classe política” e o Príncipe D. Pedro, em viagem a S.Paulo, foi comunicado pelo correio da corte. Consta, também, que esses mensageiros serviram de testemunhas para o tal “Grito do Ipiranga”, quando o Imperador recebe a comunicação sobre o fato político consumado. Escolhemos prestigiar o “grito” do Príncipe que se fez, naquele momento, Imperador do Brasil e não a data da assinatura do Decreto Declaratório da Independência, pela Imperatriz Leopoldina, depois de ouvir um Conselho de Estado, como a data histórica da nossa independência. É de se perguntar, portanto: o que a história, e não somente ela, têm contra as mulheres? Pergunta que “normalmente” ressurge em momentos cruciais da nossa vida política. Reverencio, mesmo não tendo simpatias pelo regime monárquico, nesse 2 de setembro de 2022, a memória excelsa da nossa Imperatriz Maria Leopoldina, “cancelada” que foi pela história oficial e, para a cobrirem de sombra, ainda deram seu nome a uma Estação de Trem, hoje abandonada, na cidade do Rio de Janeiro.

Quando um candidato à Presidência da República, em debate público eleitoral pela TV aberta, por duas vezes, a pretexto de angariar voto das eleitoras, refere-se à Lei “Maria da Penha” como “Maria da Paz” e o outro, no mesmo debate, agride com palavras e insinuações chulas a uma jornalista (sem direito de resposta), nas vésperas das comemorações dos 200 anos da Independência assinada por uma mulher, ficamos a conjecturar sobre outros golpes, cancelamentos e humilhações diversas às mulheres ilustres do Brasil, filhas da nobreza ou da pobreza. E por que ainda é assim? Talvez o Brasil seja mais um desses rebentos tortos no concerto das nações, que, ainda hoje, enaltece a estupidez humana negligenciando punição severa ao feminicídio e a outros abusos contra as mulheres; aceita com naturalidade que “machos” recusem pedir desculpas públicas por seus maus feitos, com soberba; consagra a boçalidade como aceitável na convivência social entre homens e mulheres; e permite que a mulher seja tratada, em muitas situações, como objeto; que ratifica a estratificação social baseada na subalternidade de gênero. E ser subalterno não é, portanto, apenas expressão de condição socioeconômica, mas, também, resultado de critérios abjetos aglutinados que servem de régua para medir a alma e o corpo de cada grupo subalterno, dependendo da conveniência, da situação, do interesse e, até mesmo, da vilania para lhes negar direitos.

Dois séculos completos de independência não são dois anos, dois meses ou dois dias. É um tempo suficiente para se construir uma Nação. Não temos desculpas, portanto, para os nossos problemas seculares. Eles representam o nosso querer. Chega de simplificar o que é complexo, chega de tapar o sol com a peneira. É preciso coragem para expor as nossas chagas à luz do dia e apontar para os que se locupletam com o sofrimento alheio, com os preconceitos de gênero, de cor, de etnia, de origem social e, por incrível que pareça, até de origem geográfica.

Views: 37

Compartilhe nas redes:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

COLUNISTAS

COLABORADORES

Abrahim Baze

Alírio Marques