Não sei bem como são tratados em outras regiões os derrotados nas eleições, mas, por aqui, no Norte, um dia após a apuração dos votos e conhecidos os eleitos, sempre partem dos portos das cidades (quase todas as cidades amazônicas situam-se à beira de rios ou lagos), ao meio dia em ponto, o barco com os perdedores, levando-os metaforicamente para o “Balatal”. O balatal é um lugar inóspito da floresta do extrativismo predador na Amazônia. A balata é produzida a partir do látex de “árvore sapotácea denominada balateira”, era derrubada a machado, para extrair o látex contido no seu caule e nos galhos e com o qual se produz a goma elástica de preço inferior à borracha, usada na produção do “chiclete”, de utensílios domésticos, artesanato e outros artefatos. O processo de trabalho é danoso e sofrido, tanto para a natureza quanto para os extratores. Um purgatório! E daqui da Capital do Estado do Amazonas já partiram muitos famosos da política local, uns não voltaram nunca mais. Nestas eleições, em Manaus, o maior colégio eleitoral do Norte do Brasil e um dos maiores redutos da extrema direita brasileira, proporcionalmente, desta vez, encheu-se o barco. Gente nova e velha da política foi posta dentro dele aos borbotões. No poder, ficou a “direita moderada”. A esquerda, por aqui, submergiu logo no primeiro turno. Não foi nada diferente do resto do país, com pequenas nuances, dependendo de arranjos das oligarquias locais.
O que não se pode deixar de dizer é que esse resultado tem um preço alto para a esquerda brasileira. Como na música da Banda Legião Urbana, “Ainda é cedo”, condenando o egoísmo.: “Uma menina me ensinou/ Quase tudo que eu sei/ era quase escravidão/ Mas ela me tratava como um rei/…, Mas egoísta que eu sou/ Me esqueci de ajudar/ A ela como me ajudou/ E não quis me separar/…E eu dizia: ainda é cedo, cedo, cedo, cedo”. Deu no que deu e as coisas estão mais difíceis de recuperar. Para a extrema direita, tão senhora de si, se estivesse num daqueles arraiais de paróquia onde antes do Bingo da Galinha Assada pode-se oferecer músicas para amadas ou adversários, ofereceria outra, desta vez o “Mundo é um moinho”, de Cartola: “Ainda é cedo, amor/ Mal começaste a conhecer a vida/Já anuncias a hora da partida/ Sem saber mesmo o rumo que irás tomar/…Ouça-me bem, amor/ Preste atenção, o mundo é um moinho/…Quando notares, estás à beira do abismo/ Abismo que cavastes com teus pés”. Não me arriscaria a oferecer música para a Direita. Quando tudo falha ela se encrespa, recompondo segmentos variados e de variados interesses que se unem usando todos os mimetismos possíveis, propondo solução para tudo com o nome de pacificação, de despolarização e outras coisas anódinas, que nada mais são do que o jeito de ser do patrimonialismo brasileiro, prenúncio de golpe, paz dos cemitérios, jogando o lixo da opressão para debaixo do tapete, esfriando a temperatura política, abraçando o conchavo, recuperando posições de mando e perpetuando o seu “suave domínio de exploração”.
Não sou otimista, quando muito esperançoso. Como diz Byung-Chul Han: “O pensamento esperançoso não é otimista. Ao contrário da esperança, ao otimismo falta qualquer negatividade. Ele não conhece dúvidas nem desespero. A pura positividade é sua essência…Para o otimista, o tempo é fechado, então, o futuro como um espaço aberto de possibilidades é desconhecido para ele. Nada acontece. Nada o surpreende… Ao contrário do otimismo, que não carece de nada, que não está a caminho, a esperança representa um movimento de busca…Ela se dirige ao não nascido e põese a caminho do novo, do completamente diferente, do nunca sido…Precisa ser chamada, invocada” (O Espírito da esperança. Petrópolis: Vozes/Nobilis, 2024, p.16-17). Esperemos, portanto, dados do último pleito a serem abertos ao público pelo Tribunal Superior Eleitoral para analisá-los. Certamente nos ajudarão a alcançar o entendimento sobre: o emaranhado ideológico em que no metemos; o conluio da política com as religiões; as mudanças no mundo do trabalho e da política; o discurso dos meios de comunicação agindo como a câmara escura dos nossos tempos para inverter a realidade. Coisas cristalinas das perversões que o capitalismo avançado nos tem proporcionado com fartura. Aí, sim, vamos caminhar e evocar a esperança!
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