Ligo no telejornal e uma das apresentadoras comenta que o “ar está irrespirável em quase todo o país devido aos incêndios e à fumaça”; e, em seguida, profere, creio eu, de forma não intencional, mas em bom tom o que todos nós do lado de cá do “Tratado de Tordesilhas”, como costumo dizer, não gostamos de ouvir: “quando essa fumaça estava lá pelo Norte não era tão preocupante, mas, ao chegar às grandes cidades do país, é preciso providências urgentes”! Esse é o discurso que se aplica não só às condições do ar, mas a tudo que possa dizer respeito às relações intra coloniais do Brasil. Amanhã comemoraremos a Independência do Brasil. Data convencionada, pois sabemos que o rompimento formal com Portugal já havia se dado dias antes e nem foi assinado pelo Imperador do Brasil e sim por uma mulher valorosa, a Princesa Leopoldina, primeira Imperatriz, com os cuidados de antes ouvir o Conselho de Estado. Deveríamos exigir que, em todos os livros, em todas as escolas do território brasileiro, a história da Independência fosse contada com decência. Esses dois fatos, um atual e outro bem antigo, já justificam o título falando da incompletude da Nação. Parece até que o Brasil já nasceu xenófobo e os jornalistas ainda só reconhecem o Brasil do lado onde estão as sedes de suas emissoras, o poder econômico e o cabresto, com o qual se regem as ações diferenciadoras e consagradoras da subalternidade política e da desigualdade econômica e social.
Ontem, cinco de setembro, nos foi dado comemorar a Elevação do Amazonas à Categoria de Província do Império, ocorrida em 1852. Até então éramos uma Capitania Provincial do Pará. Não participamos do 7 de setembro, pois não éramos Brasil e sim parte do Estado do Grão Pará e Maranhão, rebelde e conflagrado, incorporado ao Brasil por ato de guerra, quase um ano depois. Sem entrar nas controvérsias que nos tornaram parte do Pará por um longo tempo, fato é que nos respeitamos como Estados do Norte. Os “Barbalhos” não pagam as nossas contas e nós não torcemos pelo Clube do Remo, embora a segunda maior torcida do Flamengo resida em Manaus, talvez por causa desse colonialismo interno e do desinteresse pelo futebol local, além dessa paixão besta, que sacode nosso coração e com a qual compartilho como um “urubu conformado”.
Tudo para nós foi sempre difícil, nada nos chega no tempo em que precisamos. O Banco do Brasil chegou 100 anos depois de sua fundação, quase junto com Euclides da Cunha, que nos bridou nos seus relatos de “serviçal preconceituoso” com uma praga, dizendo ao Brasil que tudo que se fazia aqui a natureza escaldantes destruía. Se o Brasil deixou o outro lado das terras do Tratado de Tordesilhas para depois, o Amazonas ficou por último e, se considerarmos a história do Brasil como “país do futuro”, o Amazonas é o Estado do “nunca mais”. E olha que já fizemos muita coisa: amamentamos o Brasil com o leite de nossas seringueiras (basta conferir as divisas em libras esterlinas do ciclo da borracha) e ele até agora não pagou as contas; compramos da Bolívia o Acre e o demos com suas terras e suas riquezas ao Brasil; guardamos uma floresta imensa para o Brasil ficar nos holofotes do mundo fazendo política ambiental enquanto os grileiros tocam fogo na mata e no pasto e os garimpeiros ilegais preparam o suco de veneno e chumbo com a água de nossos rios, matando os povos indígenas e as populações tradicionais; recebemos gente de várias partes do mundo, muitos enriqueceram e foram embora levando o melhor de nossas esperanças. Tudo que faz bem ao Brasil parece nos ameaçar. Por último, para garantir o respeito às decisões do STF e à Lei, isto é, não ceder a um “babaca imperialista”, corremos o risco de ficarmos sem internet ou, pelo menos, com mais dificuldades. Entretanto, devemos denunciar que ficamos dependente dele e dessa tecnologia, que se mostrou eficiente dentre outras, pela negligência do Governo Federal, que não concluiu o backbone (infovia de fibra ótica) fluvial, que levaria a internet a todo o Amazonas, seguindo a calha dos grandes rios. Difícil e caro? Mentira! Pararam em Tefé! É bom lembrar: inauguramos o telégrafo por cabo subfluvial à Belém, que ligou Manaus a Londres e Nova York, com o nosso dinheiro, em 1895, enquanto a maior parte do Brasil ainda vivia à luz de lamparina!
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