Na semana passada, interrompi a série sobre Humboldt para escrever na edição de aniversário da Suframa e hoje retomo o tema lembrando que terminei o texto (1) dizendo que o motor de popa estancou quando seu condutor entendeu a gravidade das duas flechas que fechavam o caminho, por onde a equipe do projeto pretendia desembarcar com muitas crianças para coletar sementes de mogno.
A cena foi curiosa, pois os homens pularam no rio se protegendo atrás da canoa e as crianças se jogaram no assoalho da embarcação, enquanto Bill, nosso heroico motorista, tentava fazer o motor funcionar novamente, antes que a embarcação chegasse à Cachoeira de Dardanelos. Quando o motor funcionou, voltamos para o barco e para Humboldt combinando que nada seria contado para não criar medo, mas ao desembarcar a criançada saiu contando que os índios Cinta-larga tinham fechado o caminho. O pânico foi geral e os trabalhadores exigiam viajar imediatamente (como se isso fosse possível) e pedindo uma arma para se defender do ataque iminente dos índios “comedores de gente”.
RETORNO À TRANQUILIDADE.
Graças às explicações de Tibor (o misterioso húngaro sem sobrenome que vivia ali) ficamos sabendo que as flechas cruzadas eram sinal de amizade e o ambiente se acalmou retomando-se a rotina, menos para o tratorista cujas atividades de alongamento da pista eram realizadas longe do núcleo. A semana continuou calma, porém no domingo, quando, depois do almoço, todos estavam conversando na beira da pista, os índios chegaram provocando uma correria em busca de armas para defender a própria vida. Novamente, foi providencial a presença de Tibor que restaurou um pouco de racionalidade, mostrando que eles tinham vindo em paz já que estavam com as mulheres e as crianças.
OS ÍNDIOS.
Os homens Cinta Larga tinham estatura elevada e forte compleição física e chegaram fazendo gestos e falando sua língua nativa que, evidentemente, não era entendida por ninguém. A tensão só diminuiu quando um dos índios, apontando para o tratorista, começou a repetir os gestos que ele fazia dirigindo a plainadeira, o que provocou muita risada, mas também a certeza de que eles observavam tudo, de forma sorrateira, desde algum tempo.
O MELHOR DA HISTÓRIA.
Entre os pesquisadores presentes havia um geólogo gaúcho (Cezar) casado com uma paulista (Maria Luiza) da área da Biologia. O gaúcho virou alvo principal da curiosidade indígena por causa dos olhos de uma intensa tonalidade azul, que contrastava com sua pele muito morena. Meio desconfiado, ele foi se esquivando até que teve sua fuga bloqueada por uma índia jovem que se aproximou, apontando para os olhos dele e para a floresta indicando, com gestos, que queria ter um filho com os olhos do pai.
Além do enorme constrangimento, ele teve sua vida ainda mais complicada quando sua esposa disse: – “Não vai f…. com essa índia nojenta e fedida”. – “Mas, amor, o que eu faço? Se eu não for ela me mata”. – “E se for não volta, porque se voltar, quem te mata sou eu”.
Felizmente o Tibor (sempre ele) conseguiu salvar o casamento convencendo a fogosa (e bonitinha) adolescente, com gestos e algumas palavras em uma língua qualquer (talvez a língua cinta-larga porque ele era muito misterioso) que muito melhor que procriar com o gaúcho era ganhar o relógio e o chinelo dele e algumas roupas…da esposa.
Os índios ficaram em Humboldt por alguns dias, mexendo em tudo, se apossando de coisas que viam e gostavam, agindo ali de acordo com sua forma de viver, presidida pela propriedade coletiva dos bens. Um dia, ao acordar, o grupo viu que eles tinham ido embora e, para mim, deixando uma terrível frustração no gaúcho, que se julgava “o irresistível bonitão do pedaço”, embora tivesse sido profundamente humilhado ao ser trocado por algumas quinquilharias.
Não tenho dúvidas de que ele realmente teve muito medo de ir para o mato com aquela índia pelada e tarada, mas algo me diz que ele gostaria de ter comparado a juventude selvagem da índia om a madura beleza urbana de sua esposa. Mais, ainda, pelo olhar dele, fiquei com a certeza absoluta de que ele teve muita vontade de medir o diâmetro da cintura daquela beldade Cinta-larga. N primeira oportunidade o casal embarcou no Cesna do Joãozinho e partiu sem nunca mais mandar noticias.