Há um enfrentamento entre juízes e ministério público contra alguns políticos, sobre o projeto de lei de abuso de autoridade em tramitação no Senado, que é uma blindagem para parlamentares. A proposta da Procuradoria Geral da República foi excluída da apreciação dos Senadores, porque o relator entendeu que a intenção é proteger o Judiciário.
O plano engendrado encampa interesses dos envolvidos na Lava Jato, é artimanha corporativista em favor da impunidade, para engessar providências legais das autoridades competentes, quando políticos forem acusados de locupletação indevida. Estavam habituados à impunidade pela inexistência da delação premiada.
A Lei de Abuso de Autoridade (Lei 4.898/65) tem 52 anos e não mais se compatibiliza com a realidade. Precisa ser amodernada, mas que não sejam impedidas providências pertinentes para refrear a apropriação de recursos estatais. O projeto do Senado foi resposta à PEC do fim do foro privilegiado, retaliação contra a Lava Jato e anseia dificultar a apuração de delitos. A ideia é acovardar pela intimidação aqueles que investigam e julgam criminosos abonados.
Senadores investigados propõem, com tramitação acelerada, incriminar promotores e juízes, quando seus julgados forem retificados pelos tribunais, além de alterar regras das delações premiadas.
É importante impedir a criminalização da Hermenêutica, que é a devida interpretação do texto legal. Está certo Sérgio Moro: “Ninguém é favorável a qualquer abuso de juiz, promotor ou autoridade policial, mas não se pode criminalizar a interpretação da lei para coibir o abuso de autoridade”.
É importante entender que divergências em análises de teor jurídico integram a atividade funcional de autoridades públicas, e não pode ser caracterizada como crime de abuso de autoridade.
A lei deve valer para todos, e quem cometer abusos deve ser apenado. Sua atualização e aperfeiçoamento são necessários para conter exageros funcionais e assegurar o combate à corrupção. Abuso de autoridade deve ser crime, como também é criminoso e censurável quem faz do mandato meio de enriquecimento em prejuízo do erário público.
Como ponto de partida, a propositura da Procuradoria Geral da República é melhor e mais isenta, quer evitar que juízes e investigadores sejam criminalizados por desacordos na interpretação da lei, o chamado “crime de hermenêutica”, pois para tais decisões já existem recursos.
O projeto merece atenciosa avaliação e ampla discussão no Congresso Nacional, ainda que o momento presente não seja o mais adequado e oportuno, em razão da lista de políticos interessados e em causa própria.
Descabida é a tentativa de constranger autoridades no cumprimento de sua missão, quando se pretende impossibilitar investigações contra corruptos detentores de cargos públicos e com foro privilegiado, já beneficiados pela prescrição.
O ex-ministro do STF Eros Roberto Grau ressaltou com precisão que o projeto do Senado coloca em risco a independência de juízes e promotores, ao ambicionar limitar a ação do MP e do Judiciário. Não existe uma única resposta certa para todos os casos jurídicos.
É que a norma legal contempla, para a mesma questão, inúmeras soluções corretas, e oportuniza discordâncias na interpretação das leis e na ponderação de fatos e atos do abuso de autoridade. Conclui o ministro: “A tipificação da hermenêutica como crime aterroriza e estarrece”.
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