Apesar de já ter publicado as mesmas ideias sobre a Zona Franca muitas vezes nesta coluna, a última, de domingo passado, despertou uma espécie de sinal de alarme entre alguns membros interessados na perpetuação do modelo, em geral gente que está na folha de pagamento de algum órgão de classe das multinacionais do Distrito Industrial.
A maioria das intervenções citava planilhas com números magníficos, que não duvido serem verdadeiros. Um outro mais afoito sugeriu que se organizasse um boicote aos meus livros pelo crime de lesa Zona. Quanto aos primeiros, que agiram civilizadamente, peço encarecidamente que levantem os olhos para além do Distrito Industrial.
Ao outro, informo que não é necessário nenhum boicote, tenho tão poucos leitores em’ Manaus que a solução seria redundante. Não posso negar que a Zona Franca em todas as suas metamorfoses é um sucesso: para as multinacionais e para o governo federal. A SUFRAMA é um cabide de emprego e raramente em sua história teve a sorte de contar com gestores capacitados para entender o objetivo da autarquia. Lembremos que foi a partir de 1967 que um decreto presidencial transformou Manaus em Zona Franca, sem nenhuma consulta aos empresários e políticos locais. A decisão desabou de Brasília e garanto, em respeito à memória do poeta e deputado Pereira da Silva, ele nada tem a ver com a Zona. Ao contrário, seu projeto de área portuária não alfandegada fazia parte da política mais ampla de desenvolvimento do governo Juscelino, um governo democrático que estava longe do entreguismo da gestão de Roberto Campos (Bob Fields) na primeira fase da Ditadura. Pererinha, teria vomitado ao saber do convescote no transatlântico Rosa da Fonseca, onde a região amazônica foi retalhada e ofertada aos grupos multinacionais. Este mesmo Bob Fields foi quem tachou o govenador Artur Reis de xenófobo, por ter impedido a criação do Centro do Trópico Úmido, falso centro de pesquisas que abri ria a região aos apetites internacionais.
O próprio Artur Reis, anos mais tarde, me contou que foi tomado de surpresa pela decisão de Castelo Branco, e que considerava uma solução equivocada e perigosa. Ele sabia que era Roberto Campos o pai da criança. Aproveitando a legislação, essas indústrias se estabeleceram numa área da cidade de Manaus, no chamado Distrito Industrial, onde receberam terrenos a preços irrisórios, totalmente urbanizados, como nenhum conjunto habitacional supostamente para pessoas de/baixa renda recebeu. E, assim, entrou em atividade um parque industrial de “beneficiamento” produzindo em toda sua capacidade e operando numa área onde as facilidades eram, na verdade, uma conjuntura favorável.
Para completar, como extensões de grandes complexos, estas indústrias são administradas de maneira direta, fora da região, e seu’ capital pouco é afetado pela disponibilidade local. São indústrias que tudo trouxeram de fora, da tecnologia ao capital majoritário, e que do Amazonas somente aproveitaram a mão-de-obra barata e os privilégios institucionais. Com essa estrutura industrial altamente artificial, a Amazônia Ocidental teve o seu quinhão da política de integração nacional. A promessa de empregos fartos não se cumpriu, mas ajudou a provocar uma explosão demográfica em Manaus. De cerca de trezentos mil habitantes em 1968, a cidade pulou para seiscentos mil em 1975, e as transformações sociais e culturais provocadas pela Zona Franca na capital foram bastante distintas daquelas que aconteceram durante o ciclo da borracha. Com a borracha Manaus rapidamente se consolidou como centro urbano, e desenvolveu sistemas de serviços públicos: eletricidade, água, esgotos e educação esmerada. O oposto ocorreu com a Zona Franca de Manaus. O sucesso das planilhas não explica a terrível favelização da cidade, o triunfo da cleptocracia e o abastardamento cultural de nossa amada Manaus.
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