O aumento inesperado do preço do petróleo, em 1973, criou enorme crise internacional, especialmente nos países petróleo-dependentes. A grande vantagem desse problema foi ter trazido para discussão duas questões essenciais para a Amazônia: 1) energia e dinheiro têm fluxos inversos; 2) energia é um bem essencial sobre o qual devem ser agregados os mesmos princípios de justiça almejados para a distribuição de renda.
A crise também estabeleceu a diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento o primeiro assentado no grau de mecanização e automação de um povo em detrimento dos valores culturais, e o segundo alicerçado na quantidade de energia endógena que passa pelo metabolismo humano. Já se passaram 42 anos e a atual crise do petróleo, com razões inversas, ameaça a humanidade, pois faz cair os preços internacionais desse energético, estabelecendo complexa nova diferença entre o preço de produção e o de mercado.
OS DONOS DO PETRÓLEO.
Naquela época o cerne da crise foi a fragilidade da economia dos países dependentes (e submissos) aos donos das jazidas de petróleo que tinham o poder de definir, inesperadamente, um novo patamar de preço e provocar dramático distúrbio social e econômico.
Na Amazônia o cenário da energia começou a ser modificado a partir da segunda metade dos anos de 1960, com a priorização da hidroeletricidade, mas as grandes centrais projetadas e construídas acabaram sendo direcionadas para consumidores-eletro-intensivos. Essa política criou dois subconjuntos um dos quais com oferta na medida das necessidades e o outro que passou a abrigar os “Novos Deserdados de Tordesilhas” como denunciou Samuel Benchimol em 1999, mostrando que a nova linha divisória deixara de ser meridiânica para ter um traçado sinuoso definido pela direção dos ventos políticos dominantes.
A INSANIDADE PROSSEGUE.
Outra conclusão de enorme significado social e humano da crise de 1973 foi a de que energia e renda deveriam ter um mesmo padrão de distribuição justa e equitativa e hoje, quase meio século, depois os ribeirinhos e as pequenas comunidades do Amazonas continuam sem renda e sem energia.
ENERGIA NA AMAZÔNIA.
Há um relato, talvez fantasioso, dizendo que na parte final dos anos 1950, o então governador do Amazonas, Gilberto Mestrinho de Medeiros Raposo, ao assumir seu primeiro mandato (1958-1962) foi convidado para uma entrevista no programa de Silveira Sampaio, o mais importante entrevistador da então recente televisão brasileira. Durante o programa o governador foi instigado a relacionar os principais problemas do Estado tendo ouvido, como resposta, a afirmativa de que o Amazonas só tinha um problema que era a falta de energia. Surpreso com a aparente simplicidade da resposta, o entrevistador tentou aprofundar a questão, mas o governador confirmou sua afirmativa dizendo que com energia todos os outros problemas seriam resolvidos.
Lenda ou verdade o fato é que hoje energia suficiente continua sendo o principal problema do Amazonas e a Zona Franca é apenas uma nova “ilusão do fausto” repetindo o cenário da época da borracha retratado no livro, com esse título, da historiadora Edineia Mascarenhas Dias. Atualmente os municípios vivem com enorme demanda reprimida e as comunidades isoladas ainda utilizam lamparinas e lampiões ou dependem de pequenos geradores cujo combustível é comprado a preços exorbitantes e cujo transporte pode consumir dois litros do energético, para cada litro transportado, configurando uma insanidade energética, ecológica, econômica e mental.
O Amazonas não é prioridade nacional e a população não participa efetivamente dos processos de definição de seu futuro. Essa exclusão política é longa e foi comentada por Armando Dias Mendes ao lembrar que se o foco do poder não estiver voltado para a totalidade da população, a região vai continuar fora do foco da verdadeira democracia pregada por Abraham Lincoln – “government of the people, by the people, for the people”. Para aquele intelectual paraense, um sistema efetivamente democrático depende da tradução adequada da última parte da frase – for the people – com o significado de “para as pessoas”, “para a gente”, ou, melhor ainda, “para o ser humano”, a única expressão que levaria todas as populações amazônicas para dentro do cenário democrático.
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