O rebojo
É um fenômeno natural que ocorre nos rios da Amazônia, quando dois deles se encontram, e a forte correnteza de um é represada entre uma ponta de terra e o caudal das águas que se encontram.
Na realidade, eu até hoje só conheci o rebojo que se forma na ponta da ilha do Careiro, no momento em que o Solimões e o Negro se juntam para a formação do Amazonas, um pouco depois do primeiro formar o Paraná do Careiro.
Nos tempos atuais não mete qualquer medo a ninguém. Dezenas de embarcações passam por cima dele, nos dois sentidos, na demanda do início da estrada Manaus-Porto Velho, aberta desde 1975, embora o Governo Federal finja não saber, pois não cumpriu a sua parte do acordo, e da estrada do Castanho, uma das mais belas do Amazonas, que chega bem próximo dos Autás. Hoje é apenas uma forte correnteza com maretas de trinta centímetros, que vai aos poucos destruindo a ponta daquela ilha, voltada para a direção de Manaus.
Porém nos tempos antigos de navegação solitária a remo ou à vela, foi um local medonho, habitado por cobras grandes e outros monstros da natureza, que arrastavam embarcações para o fundo, com os seus passageiros, que só iam reaparecer centenas de metros rio abaixo, nas costas da Terra Nova.
Por isso o Rebojo era evitado, como as calmarias da costa da África, ou os cabos Bojador e Não, dele desviando-se todas as embarcações, em direção ao porto de Manaus, ou descendo para o Paraná do Careiro.
Na foz do Javari havia outro rebojo famoso.
Segundo meus antepassados, que ali viveram, ele se comportava cronometricamente reproduzindo-se algumas vezes, em horas certas, durante o dia. Era fortíssimo, e em sua voragem engolia canoas e até motores pequenos de pouca potência, não resistiam à sua poderosa força centrífuga.
Remate de males na enchente
Após atingir o ápice havia um forte assovio e tudo se acalmava, embora os objetos engolidos fossem reaparecer quilômetros abaixo, mas das pessoas, nenhum sinal, talvez comidas pela cobra grande que ali morava.
Não sei se o rebojo do Javari continua no mesmo local e se ainda causa pavor às pessoas, nas poderosas embarcações de motores de centenas de cavalos dos tempos atuais, mas este rebojo serve de pano de fundo para uma história.
Tia Maroca filha mais velha do meu bisavô João Facundo de Menezes com a bisavó Liberalina da Silva Acioly, casara-se com o português Pio Veiga, que se tornou rico comerciante e seringalista, em Remate de Males, onde foi cônsul do Brasil, na povoação peruana gêmea ali existente. Tiveram muitos filhos, que mandaram estudar no exterior, França, Suíça, Alemanha e Portugal, mas a Grande Crise lhes tirou o futuro promissor, como tantas outras crises brasileiras criadas por políticos corruptos e incompetentes fizeram e fazem conosco.
Um de seus filhos Frederico de Menezes Veiga, tendo ido para o sul, celebrizou-se pela criação da cepa de cana de açúcar CB, que soergueu a indústria canavieira de Campos.
Quando crianças foram autores de numerosas estripulias uma delas relacionadas com o rebojo do Javari, que ficava relativamente perto de Remate de Males, onde moravam.
Naquele tempo, entre os materiais vendidos aos seringueiros estavam grandes bacias de flandres, pois o alumínio era ainda muito caro, usadas para lavar roupas, tomar banho e outras utilidades domésticas.
Todos os anos esses primos vinham até Manaus, para as férias, e estavam todos voltados para a viagem que se aproximava quando dois deles, os mais danados, não me lembro de quais, conseguiram tirar uma dessas bacias da loja do pai, e, com dificuldade, levaram-na até a beira do rio, que estava cheio e com forte correnteza. Entraram na bacia, improvisaram remos de tábuas de caixas de madeira s e resolveram seguir viagem rio abaixo, para Manaus.
Passado algum tempo, talvez meia hora, foi dada a falta dos meninos, procurados por todos os lados e não encontrados, quando alguém olhando para o rio viu duas cabecinhas ao longe na direção do rebojo.
Ativar a fornalha e aquecer a caldeira ainda levou algum tempo, para que a lancha ancorada no porto pudesse sair atrás daqueles dois meninos levados, que se dirigiam para a morte.
Tio Leônidas que a comandava conseguiu alcançá-los no momento em que começavam a entrar na área de formação do funil e por um triz a sua própria lancha não ia sendo sugada, pelo fenômeno.
No final todos se salvaram e os garotos levaram umas boas chineladas da tia Maroca, como era costume naquele tempo, e não mais repetiram a façanha, embora continuassem com outras.