Manaus, 21 de novembro de 2024

Histórias esquecidas

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Uma moeda de caronte, em Manaus

Na antiga Mitologia Grega Caronte, filho de Nix, a Noite tenebrosa, foi o barqueiro infernal, que atravessava as almas pelo rio Aqueronte, da terra dos vivos para as regiões dos mortos, governadas por Hades e Prosérpina ou Perséfone, cuja saída estava protegida por Cérbero, um terrível cão tricéfalo, manso e de caudas balançantes, quando as almas chegavam, mas um guardião terrível, estraçalhando as que desejassem sair. Fizeram exceção entre uns poucos que lá foram e voltaram, nas suas iniciações com o elemento terra: Orfeu, por tê-lo feito dormir com a sua música, Hércules, que o imobilizou, com a sua desmedida força e Ulisses, por Circe ter-lhe revelado o segredo de que o feroz cão quando estava descansando de olhos abertos, na realidade dormia.

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Cérbero tricéfalo

Caronte teve como irmãos algumas entidades temíveis: Moro, o Destino; as Queres, que causam mortes nas batalhas, semelhantes às valquírias; Tánatos, a Morte; Hípnos, o Sono; Momo, o escárnio; Oizus, a Miséria; Nêmesis, a Vingança; Apate, a Fraude; Geras, a Velhice; Limos, a Fome; Ftono, a Inveja; Geris, a Discórdia e Lissa, a Loucura, entre outros.

Aquele que morria deveria levar dentro da boca, sobre a língua, jamais tapando os olhos, uma moeda de prata, que lhe garantiria, no outro mundo, pagar a passagem a Caronte, dessa terminal viagem de travessia do rio Aqueronte até uma praia do Inferno, do outro lado, na outra margem. Os que não a levavam não podiam nela embarcar, sendo expulsos a remadas, pelo catraieiro infernal. E eram obrigados a penar cem anos à beira daquele pestilento rio, ou como almas penadas, a atormentar seus parentes e amigos que haviam sido incapazes de colocar uma simples moeda de prata em suas bocas, por pobreza, esquecimento ou impiedade. Haveria alguma outra forma de penar além dessas?

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A barca carregada de almas na ida quadro de Alexander Litovchenko

Quando ela voltava vazia das infernais paragens, lá vinha Caronte à proa, sem a sua carga, agora acuada e impedida de lá sair, pelo terrível Cérbero de três cabeças, que nunca dormiam ao mesmo tempo.

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A barca voltando vazia de Gustave Doré

Éfeso foi a mais importante cidade jônica da Ásia Menor, hoje pertencente à Turquia, existente até aos nossos dias, tendo passado por todos os sistemas políticos e culturais que dominaram a região. Tinha, por volta de 550AC, um importante culto à deusa Artêmis (Diana), ao ponto de nela existir um templo consagrado a ela, que por sua beleza e grandiosidade foi considerado uma das Sete Maravilhas do Mundo Antigo. Continuou como um centro de civilização helenística e durante o domínio romano, nos tempos iniciais do cristianismo, chegou a ser uma das maiores cidades do Império, com mais de 500.000 habitantes, tendo um imenso teatro, numerosas lutas de lutas de gladiadores e um local de pregação da nova religião cristã, através de Paulo e João Evangelista, uma das Sete Igrejas da Ásia citadas no Apocalipse, escrito ali perto.

Hoje se destaca, apesar de ser controlada pelos maometanos, por receber um fluxo de mais de 2.000.000 anuais de visitantes cristãos, que ali vão conhecer a casa da Vigem Maria, o lugar talvez onde ela morreu e ascendeu aos céus, um local de peregrinação.

Meu irmão mais novo visitou-a ano passado e ficou encantado com tudo o que ali viu e trouxe-me uma lembrança inusitada: uma antiga moeda greco-romana ali encontrada no meio às ruínas, por pessoas que fazem delas a sua fonte de sobrevivência, na garimpagem de pequenas peças antigas.

Era uma bela moeda de prata, enegrecida pelo tempo, tendo em uma de suas faces a figura de uma coruja e no anverso a efígie de uma personalidade principesca, não identificada. Durante a compra da mesma aconteceu o primeiro fato estranho. Um pequeno descuido foi suficiente para que ela caísse no chão, das mãos do vendedor, que apregoava a sua antiguidade. Depois de muita procura foi encontrada em um local difícil de ser achada, dentro de uma caixa, em posição vertical, encostada à parede da mesma.

Trazida para Manaus, antes de anexá-la à minha pequena coleção, mostrei-a a muitas pessoas e deixei-a sobre a minha mesa do escritório.

Já estava me esquecendo dela quando sonhei que pertencera a um gladiador morto em combate, na arena de Éfeso e fora posta em sua língua, para pagar a travessia do Aqueronte, talvez por ter estudado exaustivamente sobre a moeda e Éfeso, por dois dias seguidos, estando com a minha mente cheia de histórias.

O fato é que no dia seguinte, ao abrir uma pasta que estava sobre a mesa, senti algo como que escorrendo ao longo da minha calça e logo a seguir liguei o fato à moeda que desaparecera de cima da mesa.

Fizemos uma limpeza completa na sala, tiramos móveis do lugar, arrumamos e dasarrumamos gavetas, e a moeda desaparecera completamente sem deixar vestígios.

Acho que qualquer dia vou encontrá-la de novo, mas por enquanto ela está escondida pelo gladiador que um dia foi enterrado com ela sobre a língua.

Isto foi em julho de 2015 e dois anos depois a reencontrei, embrulhada dentro de uma das caixas reviradas anteriormente.

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