A tumba da Santa Casa
A nossa Santa Casa de Misericórdia é anterior ao Hospital da Sociedade Portuguesa Beneficiente do Amazonas, e embora não seja uma das mais antigas do País, pois data da segunda metade do século XIX, enquanto as do Rio e de Santos são do século XVI, e mesmo a de Belém é do século XVII, sempre foi um local onde se praticava uma das três virtudes teologais: a Caridade, sob a forma das Misericórdias Materiais de cuidar dos doentes e enterrar os mortos, embora existam outras como dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, cuidar dos órfãos, dos enjeitados e das viúvas de bom proceder, obrigações da sociedade que foram sendo transferidas para o Estado Social, pouco a pouco avançando sobre essas obrigações, mediante o pagamento de impostos e da perda progressiva da liberdade, que assumiria fria e sem amor social essas funções. E hoje temos uma população descompromissada que repassa suas obrigações ao governo e nada faz pelo próximo, salvo as exceções da regra. Em suma, uma população sem Caridade e sem Amor ao próximo. O resultado é que a magnífica instituição das Santas Casas de outras épocas encontra-se hoje falida. A nossa foi abandonada, apesar da sua capacidade de atendimento de mais de 400 leitos, de uma Maternidade e de um pronto atendimento, em pleno centro da cidade. Dá pena de se ver um gigantesco patrimônio destruído pela incúria e insensibilidade de diversos governos e institutos, destruidores daquelas instituições venerandas ao pagar baixos preços por internamentos a entidades incapazes de inventar despesas fictícias ou inexistentes, pelos seus internamentos e procedimentos, como compensação.
Mas voltemos ao assunto proposto no título.
Na década de 1930, conforme anúncio nas Revistas da Associação Comercial do Amazonas, o hospital era considerado modelar. Oferecia quartos de primeira classe com banheiros e sanitários anexos, e sala de estar e de refeições aos preços de 20 e 25$000 para cavalheiros, e de 15, 20 e 30$000 para senhoras. As enfermarias de segunda classe cobravam diárias de 10$000. A alimentação era de primeira ordem e o corpo clínico composto pelos melhores médicos da cidade.
Mas logo vinha uma insólita parte desse anúncio. Mantem o serviço de condução de cadáveres, no qual são empregados luxuosos autos, observada a seguinte tabela:
Especial 500$000 2ª 140$000
1ª luxo 350$000 3ª 60$000
1ª simples 200$000 4ª 40$000
Enterrar os mortos era uma exclusividade dada pelo Município de Manaus à Santa Casa, para a sua manutenção, que para isso mantinha um velório no canto da Rua 10 de julho com a Rua Afonso Pena, de onde saiam a maior parte dos enterros de Manaus, que seguiam ora pela Ferreira Pena, ora pela Rua 10 de julho, rumo ao São João Batista. Também pertencia a ela o transporte exclusivo feito em diversos tipos de carros
Uma das tumbas da Santa Casa
A fotografia acima é a do carro especial, o de maior luxo, que custava 500$000 para ir até o Boulevard Amazonas, uma fortuna, levando os seus dois motoristas com suas fardas de casemira negra, pessoas conhecidas por todos, na época.
Este foi um dos meus grandes terrores quando criança, até aí uns oito anos de idade. Casa, para esconder-me e não ver passar o carro, e principalmente o caixão, os anjos do alto do dossel e o pano negro bordado de prata.
Havia uma tumba toda azulzinha que era para as crianças e moças virgens.
Com o tempo perdi o medo, mas tudo ficou gravado em minha memória.
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