Manaus, 21 de novembro de 2024

Histórias esquecidas

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A mansão das lágrimas

Na primeira década do século passado, as terras atravessadas pelo que é hoje a Avenida Joaquim Nabuco, foram ocupadas por belos palacetes pertencentes a algumas famílias abastadas de Manaus, grupo social constituído pelos políticos do alto escalão, desembargadores, uns poucos financiadores de seringais e exportadores de borracha, e por alguns profissionais liberais, médicos e advogados de destaque.

A avenida possuía um calçamento rústico do belo arenito vermelho de Manaus, com alguns trechos cobertos pelos paralelepípedos de granito vindos de Portugal, a 1$000 cada, servindo de lastro para os navios ingleses, e uma linha de bondes saindo da Praça Oswaldo Cruz, subindo a Rua Miranda Leão, contornando a igreja dos Remédios, por trás, e a alcançando na altura do Palacete Silvério Nery.

Iniciava-se à beira do rio Negro, no meio de velhos sobrados, passava pelo Canto do Quintela, no entroncamento com a Rua 7 de Setembro, daí alcançava o gigantesco Hospital da Sociedade Portuguesa Beneficente, alcançava a Mercearia do Alto de Nazaré, tocava ao ferro de engomar, na sua junção com a Silva Ramos, terminando na escorregadia subida para o Mocó, sem atingir o Entroncamento e o Seringal Mirim.

Muitas das antigas casas e palacetes que a ladeavam ainda permanecem de pé, em boas condições, enquanto a maioria vai sendo transformadas em ruínas, por uma legislação cega, que nada contempla aos proprietários, para as suas preservações. Grande parte delas já foi demolida, ou tiveram as suas fachadas arquitetônicas alteradas, pela insensibilidade de seus proprietários, no momento em que essa bela artéria transformou-se em uma imensa Itamaracá, ela que antes fora a Avenida Paulista dos manauenses.

Todos aqueles antigos casarões têm as suas próprias histórias, mas a da Mansão das Lágrimas atravessou os tempos.

Contam que, no princípio, houve o contrato entre o proprietário do terreno, um poderoso jurista, e um português construtor, cujos nomes se perderam com o tempo, em que este se comprometia a construir uma bela casa, da qual só receberia o valor integral, quando estivesse pronta.

Passaram-se os meses e o lusitano tudo providenciou, ali gastando uma fortuna, com material da melhor qualidade, do que fui testemunho, pois ainda adquiri algumas telhas francesas de Marselha, dela retirada, quando o seu telhado foi substituído por fibra de amianto. Ainda hoje estão inteiras, em uma casa de um sítio que foi de minha propriedade, na estrada do Tarumã.

Ao terminar a obra, o magistrado mudou-se para sua nova casa, esquecendo-se completamente do pagamento.

Depois de muitas delongas o construtor português conseguiu marcar uma data para o recebimento da quantia de duzentos contos de reis, o quanto lhe custara construir aquele belo imóvel.

Naquele dia, após preparar o recibo necessário, foi buscar o pagamento, ali na Avenida Joaquim Nabuco.

O morador tratando-o rispidamente mandou-o entrar e solicitou o recibo, que lhe foi entregue.

Dirigindo-se a outra sala e, depois de algum tempo, voltou, logo perguntando ao empreiteiro o que ainda ali fazia.

– Espero o pagamento, retrucou.

Uma voz irritada respondeu-lhe:

– O quê? Eu já o paguei e o recibo está em meu poder.

-Mas…

– Nada de mas, mas… Soldados expulsem este impostor de minha casa.

De nada valeram os rogos do infeliz.

Chegando a sua casa sentindo-se totalmente deprimido com que lhe acontecera, suicidou-se disparando um tiro em sua fronte.

Daí para frente, meses a fio, a viúva e os filhos do inditoso, iam todos os dias chorar à porta da mansão, passando fome e necessidades, pedindo o pagamento jamais realizado.

Dizem que, até hoje, choros de crianças são ouvidos, naquela parte da cidade, nas horas mortas e silenciosas de lua nova, quando escuridão tudo encobre.

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