Para o açúcar e sobe o biscoito!
Na década de 1950 a cidade de Manaus sofria muito com o desabastecimento, principalmente de alimentos, pela falta transporte marítimo, então o único existente do sul para a nossa região, pois ainda não existiam as estradas, que hoje cortam o Brasil em todas as direções. A nossa Marinha Mercante estava sucateada e insuficiente devido à grande quantidade de navios afundados pelos submarinos do Eixo, alguns anos antes.
Qualquer atraso em uma viagem e a cidade podia ficar sem açúcar, trigo, pão, arroz e até café, quando uma vez um navio que trazia essa mercadoria desapareceu na baía de Marajó e a sua preciosa carga foi negociada em Paramaribo. Este navio transformou-se em uma referência das embarcações que atrasam ou nunca chegam ao seu porto de destino quando dizemos que eles são piores do que o Guaramiranga.
Ainda pior, esses navios viajavam com tripulações enormes, mal-acostumadas, que usavam as embarcações em proveito próprio, trazendo mercadorias, como verduras, frios, queijos e frutas dos climas temperados, para serem negociados ao longo de toda a costa brasileira, e por isso os frigoríficos de bordo estavam sempre quebrados, impossibilitados de receberem mercadorias perecíveis. Dentro dos navios uma verdadeira organização criminosa impedia a ocupação do navio à plena carga, para disporem de espaços maiores, para este seu tipo de pirataria. Ela talvez fosse, na prática, a proprietária de fato dos barcos, geralmente de empresas estatais, sem maiores fiscalizações.
E assim as maçãs eram caríssimas, as cenouras raras e as batatas greladas, salvo as trazidas pelas tripulações.
Assim as tripulações usavam e abusavam de controlarem o embarque daquilo que lhes interessava, usando artifícios diversos.
Isto aconteceu com muitos dos comerciantes desejosos de trazer, para Manaus, um artigo de melhor qualidade, como os biscoitos finos, pois aqui só existiam os de má qualidade e grosseiros das padarias locais, pois há muito não chegavam à cidade os deliciosos biscoitos ingleses dos tempos da borracha, tão apreciados nos Five o’clock teas, e todos estavam sujeitos às bolachas Maria, às de água e sal e às de soda.
Este fato teria ocorrido, não sei ao certo, em uma cidade do Nordeste onde os ingleses haviam instalado uma fábrica.
Por mais que houvesse biscoito para exportar a marinhagem sempre informava que não existia praça em seus navios, para artigos de luxo.
Um dia aproveitando uma viagem à cidade dos biscoitos e levado por um experiente vendedor viajante, como se chamavam os caixeiros das grandes fábricas em andanças, pelas cidades do Brasil, o nosso importador foi conduzido ao porto, dizendo-lhe o caixeiro ser fácil conseguir praça, desde que ele se dispusesse a pagar uma quantia por cada engradado de produto.
Chegando ao navio informaram-lhes que o imediato era o responsável pela autorização de embarques de mercadorias.
Foram então levados àquela autoridade, que coordenava então um embarque de uma partida de açúcar ao qual perguntaram como poderiam embarcar uma carga de biscoitos.
A reposta foi imediata, brutal e negativa.
– O açúcar é essencial, o povo precisa dele. Não vou deixar de embarcar um produto indispensável e em seu lugar mandar subir um supérfluo. Só obedeço às ordens do meu comandante.
Os dois dirigiram-se à cabine de comando informando que pagariam um valor extra pelo embarque de cada engradado.
E a resposta foi pronta e em alta voz:
-Assim é que se fala!
E após um longo silvo de doer os ouvidos, tirando o apito da boca, ordenou com toda a autoridade do seu cargo:
– Imediato! Para o açúcar e sobe o biscoito.
No que foi prontamente atendido.
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