Manaus, 16 de setembro de 2024

Histórias esquecidas

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A praça do relógio

No velho relógio, que há mais de oitenta anos marca as horas de Manaus, está gravada uma frase insólita, escrita no mais puro latim, a língua falada em Roma, e que se espalhou por toda a Europa, originando, pela sua natural evolução, as chamadas línguas neolatinas, entre as quais está a nossa:

“VULNERANT OMNES ULTIMA NECAT”

O prédio é uma torre branca e rósea, a cor do arenito de Manaus, o mesmo das pedras, que um dia calçaram algumas das principais ruas da nossa cidade. Entre elas a prodigalidade da natureza equatorial, ajudada pela falta de trânsito de veículos, fazia criar mato e capim, literalmente raspados pelas equipes de reco-recos do meu avô, que também foi calceteiro, profissões extintas pelos avanços do progresso.

O RELÓGIO MUNICIPAL

O reco-reco era um instrumento simples, um raspador, formado por um cabo de madeira, com um arco de metal, em forma de alça, ali fixado, usado para raspar as frestas do calçamento, onde o capim havia brotado e crescido, produzindo este atrito um som característico, origem do nome da ferramenta e da profissão.

A torre quadrada do relógio tem ao todo quatro portas, no andar térreo, geralmente ocupado por um relojoeiro, o responsável pela manutenção do grande relógio de duas faces, que a encima, sobre o qual estão os sinos e as campainhas, que dão vida às horas.

Este relógio seria como tantos outros se não tivesse a magistral frase em latim, que a maior parte das pessoas comuns de Manaus já não lhe conhece o significado.

OS CORREIOS E O RELÓGIO

Ela lembra a todos a curta duração das nossas vidas, medida pelo tic-tac dos antigos relógios mecânicos e hoje pelo pulsar de um cristal de quartzo. Lembra-nos que, mais dias, menos dias, enfrentaremos um momento crucial, para o qual nunca estaremos preparados, a nos perturbar pela sua inevitabilidade, compensada pelo fato de não conhecermos a sua data exata. Daí o ser humano lutar sempre pela Esperança de melhores dias, aqui ou depois da morte. Esta é a sina de um ser angustiado a procura da imortalidade.

A frase gravada em volta do mostrador do relógio do começo da Avenida Eduardo Ribeiro, à Grande Praça Central de Manaus, na bela língua dos césares, pode ser traduzida, em bom português, por: “TODAS FEREM, A ULTIMA MATA”, em uma alusão ao fato da vida escoar inexoravelmente com o tempo, com as horas, os minutos e os segundos, e de nos aproximarmos da morte a cada momento.

Houve uma época em que um relógio marcando a hora oficial fez uma grande falta. Não se sabe ao certo se foi em 1895, ou em 1896. O partido de Eduardo Ribeiro estava em minoria, na Assembleia Legislativa, e à hora inicial da reunião daquela casa, o meio dia, era estabelecida pelo estourar de um foguetão, na Praça da Matriz, que marcava aquele instante.

Naquele dia iria ser eleito um novo governador, pois, desde a Proclamação da República, eles vinham sendo escolhidos de modo indireto, pelos deputados estaduais.

Estando tudo combinado e eis que o foguetão é disparado às dez horas da manhã, estando presentes ao Congresso Estadual apenas os governistas minoritários, e entre eles muitos dos que mais tarde iriam depô-lo ao aprovarem a sua renúncia, através de uma carta falsificada. Os deputados da oposição que chegavam não eram reconhecidos, sendo presos e substituídos por outras pessoas.

O novo governador eleito pelo Congresso do Foguetão foi Fileto Pires.

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