Manaus, 26 de julho de 2024

Kunhã Puranga

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(O bonito é não fazer feio!)

Kunhã Puranga é uma mulher bonita. A gente está besta de saber disso pela maciça exibição, na mídia, de lindas garotas, dançantes de boi-bumbá. Kunhã puranga seria – fora dos bumbódromos – o equivalente àmiss, ou seja, uma linda mulher. Porém, há controvérsias.

O puranga na imaginação do falante de nheengatu – a chamada língua boa, de onde se originou a expressão kunhã puranga – não tem a exata correspondência do bonito de quem pensa em português.

Lá, o puranga deles está associado ao que é bom, ao que é correto, ao que é direito, ao que é certo. Aqui, o bonito para nós é o que impressiona imediatamente os sentidos (a visão, principalmente), é o belo por fora, é aquilo que pode despertar interesse para exposição, enfim, é o que chamamos de estético. Lá, o puranga deles é a mostra que vem da alma, do caráter, o direito; digamos que seja o bonito ético. Aqui, o bonito para nós é o que nos sensibiliza de imediato. Lá, o puranga deles precisa de convivência e de tempo para ser consideradopuranga. Lá, o nheengatu deles; aqui, o nosso português. Mundos distintos, traduzidos por seus respectivos idiomas.

Por isso, quando o falante de nheengatu diz kunhã puranga está raciocinando sobre certa mulher direita, boa, correta, que honra a saia (ou a tanga) que veste, portanto, merecedora de confiança por atitudes suas que são conhecidas e esperadas. A boniteza, no caso, vem de atributos íntimos e não da aparência externa. Já nós, os civilizados, quando dizemos que uma mulher é bonita, só estamos pensando, nua e cruamente, nos seus encantos pessoais. Afirmamos que algo é bonito porque faz bem pra vista, mesmo desconhecendo se tal pessoa possui virtudes ou vícios. Reproduzimos apenas a impressão fundada na aparência física.

Pois bem, nesses últimos dias, correu a notícia que uma filha matou o próprio pai, na Nova Cidade, em Manaus. A imagem da filha, apresentada no jornal da televisão, era de uma mulher jovem e bonita. No entanto, no entendimento metafísico de um falante de nheengatu, sabendo-se de fatos nada recomendáveis, a moça jamais seria tratada por kunhã puranga, apesar do rosto bonitinho. Certamente seria chamada de kunhã puxiuera (mulher má, mulher feia, a que não faz a coisa direito, uma estragada qualquer).

Nesse sentido, como ficaria, então, a imagem da maioria dos nossos políticos, que são useiros e vezeiros em jogar com as aparências, com bonitas palavras, bem comportados diante das câmeras de TV? Algum deles poderia até enganar, por algum tempo, meu amigo Dama, que é falante de nheengatu.  Mas só até meu amigo descobrir que o bonito desse homem não o torna num puranga. Na verdade, é melhor tratá-lo de apigaua puxiuera (homem feio).  É feio, não porque não tenha boa aparência (todos eles possuem boa aparência). Mas é feito porque não é direito, não faz a coisa certa, não é honesto! Como diria minha comadre Tuka, em bom português: “Por fora, bela viola; por dentro, pão bolorento!”

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