Manaus, 26 de julho de 2024

Médico da floresta

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Nos anos de 1970 o então Ministro João Paulo dos Reis Veloso delegou a um de seus assessores – Pedro Paulo Lomba – a tarefa de elaborar um projeto de desenvolvimento para a Amazônia assentado no uso sustentável dos recursos naturais. A bordo de um Caravelle da Cruzeiro do Sul, entre Brasília e Manaus, Pedro Paulo fez um esboço do projeto que foi discutido com a direção do Inpa e, alguns meses depois surgiu o projeto “Cidade Científica de Humboldt” que foi implantado, no noroeste de Mato Grosso na margem direita do rio Aripuanã, ao lado da Cachoeira de Dardanelos.

A viagem de barco (rios Madeira e Aripuanã) era inviável por conta de mais de 20 cachoeiras e corredeiras, ficando o avião de pequeno porte como o acesso possível, já que a pista era muito curta. Esse “campo de pouso” na floresta foi feito por antigos proprietários, provavelmente da família Lopes Castrillón que tinha uma representante no Inpa, a Doutora Aurélia Lopes Castrillón.

O PROJETO

A ideia central era a construção de uma cidade autossustentável no meio da floresta e para abrigar o núcleo, foram compradas casas de madeira pré-fabricadas no Paraná, cujas peças foram levadas por aviões Búfalo da FAB cuja operação exigiu o aumento da pequena pista. Entre os subprojetos destaco: 1) a construção de uma usina hidrelétrica de bulbo usando, sem agredir, a queda de mais de 100 metros da Cachoeira de Dardanelos; 2) a criação de animais para alimentação; 3) cultivo de frutas, verduras e legumes e 4) plantio de espécies florestais madeireiras que poderiam ajudar a viabilizar economicamente o projeto, no futuro.

CONVÊNIOS

Entre as instituições conveniadas figurava a Faculdade de Agronomia de Jaboticabal (SP) a quem foi transferida a responsabilidade das atividades agropecuárias, o Inpa que desenvolveu projetos com flora e fauna, o Museu Goeldi que estudava os silvícolas da região, principalmente os Cinta-Larga.

A UNIVERSIDADE DA SELVA

No projeto de Pedro Paulo Lomba estava inserida a criação de uma Universidade da Selva cuja formatação foi entregue ao Reitor da Universidade de Mato Grosso, o médico Gabriel Novis Neves que idealizou a criação de uma Faculdade de Medicina voltada para os problemas regionais. O ponto de destaque era a formação de Médicos da Floresta, formados após quatro anos de estudo nos quais seriam ministradas apenas as disciplinas que o qualificariam muito bem, para o atendimento das principais demandas do hinterland. Um levantamento na Secretaria de Saúde identificou os seguintes problemas com maior incidência: doenças infectocontagiosas, ginecologia e obstetrícia, pequenas cirurgias, acidentes com animais peçonhentos e traumatismos e fraturas com pequena e média gravidade, problemas que não requeriam sofisticados recursos tecnológicos.

A parte funcional do projeto dizia que, ao terminar o quarto ano, com o diploma de Médico da Floresta o profissional seria obrigatoriamente contratado pelo poder público para atuar exclusivamente no interior por um período e dois anos findo os quais poderia (se quisesse) retornar à Universidade e completar o curso de medicina plena.

Esse projeto, idealizado por um médico – Gabriel Novis Neves – que vivia na Amazônia, foi vetado pelo Conselho Federal de Medicina sediado no Rio de Janeiro, sob o argumento de que esse curso formaria médicos de segunda e terceira categoria.

Hoje, quando vejo prefeitos do interior lutando contra a falta de médicos para atender a população, penso que o projeto Médico da Floresta deveria ser resgatado, melhorado e implantado. O argumento que alegava a formação de médicos de nível inferior, a meu juízo, é totalmente equivocado, pois médicos de segunda, terceira e quarta categoria vêm sendo formados por faculdades de segunda, terceira e quarta categorias distribuídas pelo país inteiro e pelos países vizinhos. A meu juízo, um Médico da Floresta bem formado é muito melhor do que um médico pleno mal formado e, no interior, os equipamentos muito modernos são inúteis, pois falta energia, faltam técnicos para opera-los e falta manutenção. Só não falta malária, partos, diarreias, fraturas, picada de cobra, viroses, etc.

Fui coordenador do projeto Aripuanã na etapa de transferência para o Estado de Mato Grosso onde ele foi enterrado, sem honra, como são, lamentavelmente, todos os projetos de grande relevância para a Amazônia.

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