Em alta o jeitinho brasileiro. Vacina pouca, meu braço primeiro.
A mídia mostrou a cara de uns espertalhões, conhecidos como fura-filas. É uma espécie que age dissimulada, feito camaleão. Ronda as esferas da vida pública e privada. Em geral, passa a vida sem ser notada. Mas alguns exemplares dessa fauna foram flagrados recentemente furando a fila da vacina, sem o menor constrangimento.
Aliás, constrangimento é sentimento que não existe para eles. Agem em qualquer lugar ou a qualquer hora. Furam fila de banco, de vagas de idosos, a fila do trânsito, ultrapassando em locais não permitidos. Não perdem a oportunidade de se exercitarem. Não lhes interessa o prejuízo que possam causar ao direito das pessoas.
Esses que furaram a fila da vacina podem ser os mesmos, ou parentes próximos, daqueles que furam a filas das nomeações, a fila das licitações, a fila do vestibular. Só não direi que são farinha do mesmo saco por causa das variantes que também existem no reino dos furões, igualmente como ocorre no reino dos vírus.
Quero dizer com isso que, até entre os furões, há diversidade. Existem os habilidosos em grandes furadas que lhes rendem muito dinheiro. São os especialistas, por exemplo, em furar as filas das concorrências públicas. Esses escorregam feito cobras e sempre escapam dos olhares do Fisco e da Justiça. São os machos alfa da cachorrada. Por outro lado – como tudo neste mundo de polaridade – existem os menos habilitados, tipo vira-latas, que se contentam com pequenas furadas. Até furada de vacina está valendo. Circulam mais e são logo identificáveis pelo constante uso da expressão: “Você sabe com quem está falando?”. Dão carteiradas, quando sentem que tentam barrar suas intenções.
Se acham merecedores de tratamento VIP, sempre.
Já deu pra entender que o fura-filas não é um bicho qualquer. Já nasce cara-depau. Tem nome e sobrenome. Especialmente, sobrenome, que usa como crachá. Se não for bem-aparentado, precisa ser bem-apadrinhado. Veja, por exemplo, se o Seu Zé da Feira consegue furar alguma fila. Garanto que não.
Não consigo imaginar o noticiário informando que o Seu Zé da Feira furou a fila da vacina. Fura nada. Seu Zé da Feira não tem bala na agulha e nem pistolão que o recomende.
Relembro um fato emblemático de fura-filas. O pai, presidente, tentou furar a fila dos diplomatas de carreira do Itamarati. Jogou pesado para presentear o filho com o título de embaixador. O filho falava inglês e sabia fazer hamburger. Felizmente vozes de bom-senso surgiram a tempo e o pai desistiu de agraciar o filho. Aborrecido, o pai justificou: “Eu podendo dar filé mignon pro meu filho, vou dar filé mignon pra ele, ora porra.”. Compreensível do ponto de vista paterno. Qualquer pai deseja o melhor para o filho. No entanto, neste caso, havia uma pedra no meio do caminho chamada interesse público a frustrar o interesse particular da família. Além da qualificação na área e da experiência internacional, para atuar junto ao País mais poderoso do mundo. Enfim. Por pouco o cargo de embaixador não virou filé mignon.
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