Peço licença elomariana a ‘incelença’ do internauta para mudar um pouco essa prosa para analisarmos o papel dos blocos regionais, mas sem sair do mérito da questão. Nos anos 90 surgiu o Mercosul – Mercado Comum do Sul composto por quatro países: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, com sede em Montevideo (Uruguai), cujo pilar é a integração econômica, política e social da Latino-America. A elite intelectual preocupada com a formação futura de parte de sua juventude fez, Foz do Iguaçu, chamar para si a construção da UNILA – Universidade Federal da Integração Latino-Americana, qualificando jovens para o bloco e não somente para exportar comodities, exemplificando que dadas as oportunidades não devemos desperdiçá-las. Isso traz a mente a atuação de um grupo de artistas e intelectuais – que acredita que nem tudo é lógica de mercado -, chamado Pessoal do Ceará, que lembra um antigo compositor baiano que dizia, através dos versos belchiorianos, tudo é divino, tudo é maravilhoso:
Eu sou apenas um rapaz
Latino-Americano
Sem dinheiro no banco
Sem parentes importantes
E vindo do interior
mas que acreditava na mobilização de seu coletivo em busca de mecanismos para uma vida mais sustentável na South America, como sonha o cantante Ednardo na melódica Terral. Faltou descrever o Parlatino, um parlamento independente, mas essa nota é em outro tom.
Proporção inversa ocorre com criação da OTCA – Organização do Tratado de Cooperação Amazônica como entidade intergovernamental, mecanismo embasado no direito de promover a autodeterminação dos povos. São signatários Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela que, juntos, instituíram o Parlamaz – Parlamento Amazônico (PRS – Projeto de Resolução do Senado nº 12/2020), como organismo permanente e unicameral, legitimado em abril de 1989, tendo como princípios o desenvolvimento sustentável e a preservação, constituindo-se em um bloco ambiental (1995). Todavia sua sede fica na Asa Norte da capital federal, portanto, distante muitas milhas, como escreve o poeta Celso Viáfora na interpretação de Nilson Chaves para ‘Não vou sair’ complementando… Os velhos de Brasília / Não podem ser eternos / Pior que foi / Pior que está / Não vai ficar…
Pensadores brasileiros afirmam que o Brasil professa o neocolonialismo interno, por ainda sermos obrigados a pensar e a agir como o Centro-Sul quer impor! Ao mesmo tempo em que a intelligetsia amazonense criou no feudo manauara, servos de um estado capitalista periférico, que foram incapazes de reivindicar as universidades vocacionadas para as regionalidades nos municípios-sedes, polos estratégicos de produção de conhecimento e a institucionalização de organismos como, p. e., um Centro de Tradições Amazônicas em Itacity para pesquisar, estudar, produzir e disseminar a cultura pop. Porém o setor econômico tinha projeto e até produziu debates sobre o Merconorte – Mercado Comum do Norte para dar suporte as ações liberais nas diversas modalidades de circulação de capital, pessoas e mercadorias, facilidades tarifárias ou união aduaneira e até redução de impostos, repercutidos bastante pela mídia baré.
Constata-se que não temos massa crítica para construir um fórum permanente de debates que produza documentos que venham atender os anseios populares, em vista da qualidade de nossos votos que fazem emergir, na representatividade, parlamentares medíocres. Entretanto após essa digressão e voltando ao ‘estado da arte’ agora cantando Música Brasileira da Amazônia, inserimos ao debate o movimento que quebrou a estética, para entendermos o que ocorria nos anos de chumbo: Em 1978 José de Ribamar Viana (1947-2016), um Engenheiro Ambiental, conhecido por Papete, folclorista, percussionista e também cantor grava o disco Bandeira de Aço, registrada como a primeira produção independente a circular no país, numa composição de Carlos César que dizia assim:
Meu São João…
São João, meu São João
Eu vim pagar a promessa
De trazer esse boizinho
Para a alegrar sua festa
um divisor de águas na cultura e que orgulha como elemento de identidade, o Estado do Maranhão, revelado para os outros Brasis.
Nessa mesma toada o Amazonas vivia um estágio de efervescência quando foi elaborado um discurso social, intitulado movimento pela valorização da Música Brasileira da Amazônia, recheado de estudantes que utilizavam o experimentalismo para falar as inúmeras linguagens das artes, do cinema, da dramaturgia e do TEI – Teatro-Escola de Itacoatiara cidade na qual os prefeitos e vereadores nunca mais tiveram paz por que entrava em cartaz o jornal ‘O Lápis’, reivindicando a PUC (SP), uma agenda dos gênios atormentados do Principado de Serpa dos anos 60, época em que foi recepcionado Glauber Rocha em um Jipe, todo avermelhado – de piçarra, é claro -, para conhecer e inventariar as condições dos cinemas locais.
No entanto forjado nos festivais universitários, estreia para o mundo musical, Pereira, tocando sonoridades múltiplas que trazem a adolescência para o presente de quem entoa loas para o seu amor:
Êh… Vem pra cá
Meu Garrote de Ouro
Raiou o dia
E não posso ficar
Menina Rosa
Chegou tão bonita
E essa aliança pra me provocar…
que finaliza com aboios lançados a vaqueirada e elevada a playlist de músicas da América Latina. Garrote de Ouro faz parte do CD Lago das 7 Ilhas (1996).
É fácil encontraá-lo por aí… Quando não está compondo – de quando em vez -, arma sua barca ao lado das caravelas do monumento, no Largo São Sebastião, tendo como pano de fundo o templo sagrado da arte e da religião, na viagem da levada mourisca. Na realidade os amazonenses o conhecem mais pelas mãos de paulistas, cariocas, mineiros etc., especialmente em congressos da UNE – União Nacional dos Estudantes quando perguntam: Você conhece esse sujeito (?), referindo-se ao cavaleiro andaluz que proclama sua independência a cada obra lançada. É conhecido do público do Sudeste por ter participado de festivais, atuado na divulgação da cultura regional nos grandes centros ou em workshops do que mais gosta de parlar: música.
Há investimento tímido na produção e desenvolvimento da cultura amazônida no mercado nacional e internacional. Todavia São Paulo tem se tornado vitrine, onde, geralmente, são executadas algumas audições consideradas médias para o público ávido em muitos espaços, no entanto, a descontinuidade administrativa é um tropeço, um grande problema das políticas públicas regionais, por ainda sermos governados por ‘coronéis de barranco’ que não são pragmáticos e comprometidos em seguir o Plano Nacional de Turismo do Governo Federal, investindo na publicização turística do Amazonas. Um modelo de turismo receptivo de sucesso no Brasil é a Bahiatursa – Superintendência de Fomento ao Turismo da Bahia -, que levou mais de 20 anos para solidificar o estado como polo turístico regional, nacional e internacional, com diversos produtos culturais movimentando a economia soteropolitana. Afinal, na ‘baianidade nagô’ de Veveta, quem é que vai atrás do trio elétrico???
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