Manaus, 19 de junho de 2025

No Meio da floresta, uma fábrica de chocolate

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*Mário Adolfo

Ribeirinhos da calha do Madeira começam a produzir chocolate com ajuda da Fundação Amazonas Sustentável (FAS), que bancou a instalação de estufa de secagem, desenvolveu o design dos produtos e até instalou uma usina para gerar energia.

No terceiro dia, zarpamos às 7h. O destino é a RDS de Verdum, que já fica nos limites de Manicoré – duas horas de voadeira de Novo Aripuanã. É um sábado por isso é possível avistar, ainda do rio, grupos de crianças correndo sobre a grama verde da comunidade, pontilhada de casinhas de madeira, pintadas com cores alegres e fortes. Em uma delas, sustentada por longos esteios para ficar imune à subida traiçoeira das águas do rio, se destaca um letreiro, onde se lê Fábrica Agro-Verdum.

Subimos a escada de 12 degraus e nos deparamos com um grupo de oito pessoas trabalhando. Naquele momento, eles arrumam sobre a mesa os produtos fabricados com a semente do cacau – chocolate em pó (doce e amargo), barra de chocolate, geleia e licor de cacau. Todos eles estão em embalagens próprias, com rótulos, orientação sobre o produto e selo de certificação.

Quem nos recebe é dona Maria Lucia Araújo França, a coordenadora da RDS Verdum, que administra a fábrica. De acordo com ela, a produção ainda não é suficiente para alçar sonhos mais altos, como chegar de forma direta às fábricas da Europa.

– Por enquanto, nossos produtos são consumidos somente em Manicoré ou em Manaus, quando tem algum evento. Fabricamos cem unidades de cada produto que desenvolvemos.

Explica Maria Lúcia que a fábrica artesanal de Verdum só existe devido à parceria com a Fundação
Amazonas Sustentável (FAS).

A FAS é uma instituição não governamental, fundada em 20 de dezembro de 2007, que tem como um de seus principais programas o Bolsa Floresta, que é o primeiro projeto brasileiro com certificação internacional para compensar as populações tradicionais e manter os serviços ambientais fornecidos por meio das florestas.
Maria Lúcia reconhece que a FAS fez “quase tudo”. Levou o produto para São Paulo, onde foram feitos os ajustes exigidos pela Vigilância Sanitária, desenvolveu as macas, rótulos e vasilhames e desenvolveu design gráfico de cada produto.

A assessoria foi tão “sofisticada”, que a FAS conseguiu, por meio de uma parceria com uma empresa alemã, instalar uma turbina hidrocinética que, presa por meio de cabos, é instalada no rio para gerar energia por correntes. É o primeiro projeto do gênero na Amazônia brasileira.

– Dessa forma, fomos a primeira fábrica artesanal de chocolate, localizada na comunidade do Verdum, na RDS do rio Madeira, que teve energia fornecida por uma turbina – conta, orgulhoso, Luciano Furtado, 38, filho de Maria Lúcia que também trabalha na fábrica com a mulher, Valéria de Vasconcelos Paixão.

Hoje, a vila é iluminada pelo projeto Luz para Todos, que, na Calha do Madeira, foi implantado no governo
Dilma Rousseff. Mas o que foi feito da turbina?

– Ah, numa certa madrugada ouvimos um estrondo. Corremos para ver o que era e vimos que uma balsa da Hermasa havia atropelado, destruído a turbina e arrebentado os cabos.

– Vocês foram indenizados? -, pergunta o repórter. – Nunca. Nem satisfação eles deram.
O alemão estava certo

A fábrica de chocolate Agro-Verdum consome 60 quilos de amêndoas de cacau por mês para fabricar seus produtos. Hoje, na floresta que avança sobre as margens do rio Madeira – e tem árvores devoradas pela forte correnteza -, existem bem menos de 10 mil pés de cacau, depois que a comunidade ficou submersa na cheia de 2014.

Para fabricar os derivados do cacau, a comunidade se une. Cerca de 40 famílias moram na RDS Verdum, mas apenas seis pessoas trabalham na fábrica. No entanto, na hora da colheita e da quebra do cacau, todos se unem. Menos as crianças, que estão na escola São Pedro, estudando. Assim mesmo, respeitamos as leis do trabalho infantil”, observa a coordenadora da fábrica, Maria Lúcia.

De acordo com a líder da RDS Verdum, para fabricar chocolate em barra em pó, licor e geleia, os ribeirinhos – agora “operários” da fábrica – entram na mata cedo para colher o fruto. Depois de quebrar a casca, as amêndoas são espremidas no tipiti para extrair o licor. Em seguida, as sementes vão para a fermentação e, por último, para a barcaça secar.

Para demonstrar a qualidade superior do chocolate feito com o cacau do Amazonas, fabricantes de Chocolates da Alemanha garantem que, atualmente, o “cacau selvagem” da Amazônia vira o “chocolate mais puro e natural na Europa”.

Luciano pega um pedaço da barra de chocolate e leva ao fogo para ser derretido. Em poucos minutos, o aroma inconfundível e inebriante de chocolate toma conta do espaço. Servido em um copo, ele entrega aos repórteres.
– Provem. Este é o chocolate puro. Não tem nem leite!

Provamos e demos razão ao alemão Wolf Kropp-Buttnerr, diretor da fábrica de chocolate alemã Hachez, que levou um susto ao mastigar uma barra de chocolate selvagem da Amazônia. “Nunca tinha experimentado um cacau com gosto tão intenso de chocolate! ”. A experiência foi retratada pelo jornal “Estado de São Paulo”.

*Jornalista amazonense. Texto publicado no Caderno Especial do Jornal Amazonas Em Tempo, de 29/05/2019.

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