Manaus, 16 de setembro de 2024

O centenário do meu avô

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*Ana Moreira

Luís Pereira da Silva;

Nascido no Ceará, fez breve passagem pelo Pará, abordo de um navio gaiola rodeado de lonas veio morar no Amazonas.

Com seu pai, João Petronino Pereira, já falecido e sua mãe Margarida Leitão da Silva, viúva em sofrimento, encontraram abrigo no Varre-Vento.

Passado algum tempo, Margarida, uma flor bela e faceira, foi pedida em casamento por Pedro Bananeira. Ele também viúvo, fazendeiro e disposto a trabalhar, foram morar no Jandiá.

Quando Lulu já estava crescidinho, contando seus 05 aninhos, um grande compromisso foi firmado, na igreja ele foi batizado, lá o padre lhe deu a primeira missão, salvar a igreja com uma oração,

“EU TE SALVO CASA SANTA UNDE DEUS FEZ A MORADA, ONDE MORA O CALISE BENTO E A OSTIA CONSAGRADA” e com essa oração rimada, ele também aprendeu dizer seu nome em rima e fazer graça com as meninas.

E assim, ainda aos 5 anos, cheio astúcia e curiosidade nada fraca, aprendeu a tirar leite de vaca.

Já jovem e com muita disposição, tornou-se o maior tirador de leite da região; nessa época a fama já corria de que ele pisa na água e não tolda na folha seca e não chia.

Nas festas do beiradão, era a maior curtição, Lulu e seus amigos ficavam de bobeira paquerando as moças faceiras.

Numa noite de escuridão, em uma perna aspenta ele passou a mão, pegou na perna da velha pensando que era da filha, perna de velha é aspenta, perna de moça é macia, me desculpe, minha senhora, era de noite e eu não via.

Eram paqueras doces e de agradável conduta, os rapazes disputavam as moças arremessando bombom de fruta, o desafio era acertar a perna, na falta do bombom, Lulu, enrolava no papel e arremessava pedra.

Em uma festa no barracão uma moça encantou seu coração, foi grande a emoção! “Ai meu Deus! que dessa eu não corro!

valei-me nossa Senhora, se não casar eu morro!

“e casou-se com Maria do Socorro.

No dia do casamento prometeram-lhes ser fiel e juntos bordar o céu, com o reflexo de cometas e estrelas na terra a brilhar para o mundo abrilhantar.

Na maior felicidade do mundo ao primogênito deram o nome de Raimundo, mas era tão chorão, que mais tarde e até hoje, os irmãos o chamam de Dão.

Estando a família feliz, ao segundo filho chamaram de Luís. A primeira estrela chegou, nasceu com beleza e singeleza perene a ela deram o nome de Mariene, mas era tão meiga e tão amiga que até hoje é chamada de Badiga.

A segunda estrela era tal qual uma deusa por isso a chamaram Marineuza.

A terceira estrela desta constelação, veio com elegância perene, a ela deu-se o nome Maria Marlene, mas era de tão rara beleza que até hoje é chamada de Tereza.

A próxima estrela nasceu radiante, com raios de bondade para todos os lugares, ela foi tão bem vinda que recebeu o nome

de Maria Olinda, sua beleza é tão distinta que todos a chamam simplesmente de Linda.

A quinta estrela, nasceu com o dom de ensinar, ensinar as crianças do povo, a ela deu-se o nome Maria do Socorro, mas era tão doce e tão boa que os irmãos a chamavam de Popoa.

O terceiro cometa desta constelação, é corajoso pescador, nos lagos não teme nenhum risco por isso seu nome é Francisco, numa singela homenagem ao seu avô Chico Bia, ele é carinhosamente chamado de Bia.

Em meio a esse brilhante bordado nasceram 04 de brilho passageiro, tiveram na terra bem rapidinho, partindo ainda bebezinhos.

Para ver se o próximo vingava deu-se a ele o nome de Gonzaga. Nome difícil para as crianças pronunciarem mas como era chorão, zangado e vivia de tromba, seus irmãos o chamavam do Donga.

O próximo foi uma revelação, nasceu forte, braabo, destemido, sem um pingo de medo. A ele deu-se o nome de Pedro, mas era tão bonitinho que até hoje é chamado de Pedinho.

Nasce, mas uma estrela para abrilhantar este céu, é ela cuja força motriz e bravura nos deslumbra, por isso seu nome é Raimunda, mas era tão engraçadinha que todos a chamam de Raimundinha, mas para mim, é minha rainha, pois cuidou com amor da minha vozinha!

E nasci a última estrela desta constelação, a casula, feita no capricho, por isso a raspa do tacho nasceu com todo viço, por ser tão linda e tão alva deu-se a ela o nome de Lindalva, mas onde ela chega é tão querida e tão bem vinda que seus amigos a chamam de Linda.

Com seu céu na terra terminado, refletindo no alto do céu seu bordado

Lulu e Maria do Socorro continuaram a trabalhar para seus filhos criar.

E assim, Lulu pôs-se a plantar, tornou-se um grande agricultor e de tudo ele plantou: tomate, melancia, maxixe, arroz, milho e feijão, mandioca era o trigo e o pão, farinha era a grande produção para manter a alimentação de quem trabalhava no ajurí e mutirão, daquilo que na época mais se plantava, que era a juta e a malva.

MUDANÇA PARA A ILHA DO CUMARÚ

Numa arenga com vizinho e para proteger seus filhinhos

Lulu disse ao vizinho “pra não brigar eu mais tu, não tomar nem mandar tu, vou morar na Cumarú.”

Ilha do Cumarú, lugar de pesca do pirarucu, lá de tudo acontecia quando a enchente subia as sucuris invadiam, vovô agarrava no rabo da cobra e botava na boca da gia, rabo de cobra é quente boca de gia é fria.

No Cumarú a única disfunção era a dificuldade de pegar embarcação, todos os motores de linha da região passavam do outro lado, na costa da conceição.

Se queria ir para a comunidade do cainamã tinha que pegar o motor do carapanã,

para ir para Itacoatiara vender melancia era no motor do Ananias, a ida e volta para qualquer parte do beiradão

tinha que atravessar o riozão e pegar o motor da Salete e do São, por isso vovô não se fez de rogado, atravessou o rio e mudou-se para o outo lado, deixou o Cumarú e com boa vontade foi morar na boca do padre.

MORANDO NA BOCA DO PADRE

A vida na boca do padre teve outra direção, vovô já aposentado, com os filhos todos criados, maiores de idade, ele pode contribuir com o desenvolvimento daquela comunidade.

As crianças andavam um grande estirão para obter educação. Não tinha escola na região, nem igreja pra batizar um cristão, a comunidade precisava de uma direção. Vovô se dispôs a ajudar, e apesar da sua avançada idade, foi eleito presidente da comunidade!

Sua primeira preocupação foi com a educação.

Para ajudar as crianças na formação, vovô foi falar com o secretário de educação. O secretario da época se chamava Jodá, mas só para bagunçar vovô o chamava de Jadá!

O DISCURÇO PARA O SECRETARIO

“Senhor secretario, essas crianças acordam às 3:00 horas da manhã andam da boca do padre a comunidade do cainamã pegando ferrada de carapanã, das picadas de pium não escapa um, a fome apertando, a barriga roncando, são 12 quilômetros apanhando da saracá, que disposição elas têm pra estudar? umbora homem tenha ação, libere merenda e embarcação, ajude a formar esses pequenos cidadãos”!

E assim, vovô que nunca foi alfabetizado, sempre cantou seu nome rimado, sem nuca tê-lo assinado, conseguiu colocar para estudar todas as crianças daquele lugar, indo para escola no conforto sem igual, sentadas nos bancos do barco pantanal.

Em 12 anos de gestão, vovô deu a sua contribuição, e com um grande serviço prestado, deixou seu legado: duas (2) escolas de madeira, a primeira a queda do barranco engoliu inteira, com fé em Jesus ele conseguiu gerador de luz, Nossa Senhora do Perpetuo Socorro até hoje festeja a construção de sua Igreja, mas nada disso seria possível o deleite, se vovô não tivesse conseguido também a construção da ponte Fernando Leite!

De todo os benefícios por vovô na comunidade implantado, o maior deles está sendo disseminado, as sementes do conhecimento que vovô tanto lutou para que nas crianças focem plantadas, hoje estão sendo multiplicadas. Sua neta Lindomara, exemplo de perseverança, para estudar, na seca 12 quilômetros de caminhada, na cheia 12 milhas remadas, com direito a sobrevivência de canoa alagada, na comunidade é instrumento de multiplicação do conhecimento. sendo orgulho da família, ela foi professora dos

sobrinhos e de sua filha. Hoje é responsável pela educação de jovens e adultos o (EJA) e para orgulho de suas irmãs, é professora de sua própria mãe.

Vovô resolvia tudo com muita alegria, adquiria tudo que queria, pois, das portas da prefeitura ele não saia, onde chegava o sorriso levava, com alegria que contagia, portas assim se abriam, vovô não esquentava banco em recepção dê prefeitura, ele tinha o respeito e admiração do povo do beiradão. Era uma consideração tão imensa que todos lhe tomavam à bença, “bença seu Lulu”!

Na época de eleição com vovô iam falar “seu Lulu em quem devemos votar”?

e por conta desse fato era o prefeito quem lhe puxava o saco.

O BANCO NA BEIRA DO BARRANCO

Esse banco tem história pra contar……..

Uma delas é essa vamos lá: vovô já beirando os 90 anos, quando chegava em qualquer lugar, alguém logo vinha lhe perguntar:

dona Socorro, como está? Ele respondia num instante: “encontra-se gestante”!

[…]

Toda embarcação que passa no beiradão conhece bem o lugar, de dia, ou de noite com chuva fina ou temporal de longe se avista o banco no porto Amaral.

AS VISITAS DE VOVÔ

Mesmo os filhos longe indo morar, vovô nunca deixou de nos visitar, doce eram os dias das visitas que vovô nos fazia, quando chegava as crianças já o abordava conte uma história vovô!

conte, conte uma história! e ele sempre repetia:

“quem conta história de dia cria rabo de cotia”!

A noite, a luz do luar, vovô histórias se punha a contar, nos levando a imaginar, sentir medo rir e se emocionar com seu jeito especial de histórias contar.

Naquela época e de lá pra cá quando alguém me pergunta

“quem é esse velhinho que há todo fascina”?

Eu logo repondo “é o cravo das moças e o alecrim das meninas”.

DIANTE DO CENTÉNARIO

Hoje, em face de seu centenário, vive rodeado de afeto por seus 09 filhos, 74 netos, 117 bisnetos, e 11 tataranetos, segue levando alegria e graça por onde passa.

Do Varre-vento a Itacoatiara, em todas as comunidades dessa área, pra cima ou pra baixo do Rio Amazonas, entrando nos furos, lagos e igarapés,

passando por ressacas e remanso, dos leitos as cabeceiras, subindo ou descendo ribanceira é conhecido Lulu Bananeira.

“ ME ASSINO POR LUÍS PEREIRA DA SILVA, PISO NA ÁGUA E NÃO TOLDA, NA

FOLHA SECA E NÃO CHIA, AGARO NO RABO DA COBRA BOTO NA BOCA DA

GIA, RABO DE COBRA É QUENTE, BOCA DE GIA É FRIA, PEGUEI NA PERNA DA

VELHA PENSANDO QUE ERA DA FILHA, PERNA DE VELHA É ASPENTA, PERNA

DE MOÇA É MACIA, ME DESCULPE MINHA SENHORA QUE ERA DE NOITE EU

NÃO VIA, LUÍS VICENTE DE LIMA, CRAVO DAS MOÇAS E ALECRIM DAS

MENINAS.”

O próximo foi uma revelação. Nasceu forte, brabo, destemido, sem um pingo de medo. A ele deu-se o nome de Pedro, mas era tão bonitinho que até hoje é chamado de Pedinho.”

*Ana Cristina Moreira é Amazonense, do Município de Itacoatiara, Servidora Pública e Estudante de Ciências Políticas. Democracia na Floresta é a materialização da experiência materna da autora com o ensino ilustrativo, alegórico e literário, método com o qual obteve êxito ao estimular o interesse e a compreensão de seu filho portador de Tea e Dislexia.

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