“No seu jeito brincalhão às vezes mal-humorado, querendo dizer palavrão com certa naturalidade de menino rebelde, o Peteleco encantava a todos que o conheciam. O Peteleco e Oscarino se divertiam juntos, eis a verdade”.
Meu amigo Oscarino Varjão não suportou mais as dores do corpo físico que consumiam seu organismo debilitado pelo tempo e pela doença danada que o infelicitou. Partiu no domingo, que é dia comum de festa, o mesmo dia no qual muitas e muitas vezes se preparou para realizar seu ofício de artista e seu sonho de alegrar as crianças.
Eu era menino pequeno, ainda de calças curtas, quando conheci de perto o Peteleco, filho muito amado de Oscarino. Quando com ele conversei pela primeira vez depois de um espetáculo na “Maloca dos Barés” tive a certeza de que se tratava de uma pessoa igual a gente. Tinha alma, vida, alegria, cantava, dançava e falava como gente grande dando lição de moral em quem se metesse a besta de tirar uma brincadeira de mal gosto, sempre no seu jeito de ser.
Desde então, do meu modo e com a orientação de meus pais e apoio de irmãos e irmãs, professores e professoras, segui meu caminho e vez em quando me deparava com meus amigos Peteleco e Oscarino em alguma festa, nos palcos e até nos comícios de campanha política nos quais me envolvi anos mais tarde. Depois, por um tempo, nos perdemos de vista, eu pra cá com meus afazeres de escola, de universidade, de trabalho, de família, de política, enfim; e o Peteleco pra lá, não sabia bem por onde, talvez guardado com todo o zelo pelo seu velho amigo e pai de criação … de criação mesmo, porque Oscarino foi o criador do Peteleco e o adorava formosamente.
Depois de muito tempo sem nos vermos fomos nos reencontrar um domingo qualquer em praça pública quando eu levava pela mão minha filha Ana Paula, ainda pequena, e pude apresentá-la aos velhos amigos de tantas risadas. Depois do susto de ver um boneco falante e todo cheio de mangoça, posto nas mãos de um homem, ela acabou se encantando por ele e não queria mais sair da praça, e durante algum tempo só falou no Peteleco como se não houvesse mais nada nesse mundo.
Na época, mais do que antes, compreendi o quanto ele era importante na vida das crianças de todas as gerações, tal como havia sido na minha, desde os tempos do Vovô Branco e ainda depois. Quantas lições ele nos dava, aos meninos e aos pais em fase de aprendizado desse mister singular que é educar os filhos. No seu jeito brincalhão, às vezes mal-humorado, querendo dizer palavrão com certa naturalidade de menino rebelde, o Peteleco encantava a todos que o conheciam. O Peteleco e Oscarino se divertiam juntos, eis a verdade.
Quando fui Secretário de Cultura mandei chamar o Peteleco e o Oscarino e tive com eles uma conversa de migo e de irmão, explicando as minhas ideias e colocando eles na roda pra trabalhar. E foram muitas as apresentações e brincadeiras na praça, nas ruas e nos teatros. Um dia, deu-se a flor e o Peteleco e o Oscarino foram homenageados no palco do Teatro Amazonas com todo sucesso.
Já havia feito um teatro só especialmente para eles, o qual, com a autorização devida, tomou o nome do Peteleco sem cogitar que pudesse haver ciúmes do Oscarino. Foi sucesso total até as portas serem cerradas depois que sai do cargo. Algumas vezes o Peteleco falava comigo e pedia pelo Oscarino, outras era o Oscarino pedindo pelo Peteleco, e assim fomos mantendo a nossa amizade a mais não puder, até que no domingo passado fui informado que o Peteleco estava órfão porque o Oscarino resolvera fazer a viagem definitiva em busca de morar entre as estrelas.
Uma só palavra me ocorreu na hora em que tomei conhecimento da notícia: poxa, não tive tempo de agradecer mais uma vez ao Oscarino por toda a alegria que ele nos deu durante tantos anos e pela sua qualidade de artista dando vida ao Peteleco, nosso amigo, que agora chora de saudade como todos nós.
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