Manaus, 27 de julho de 2024

Pregação nos ônibus

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Assumiu recentemente a Câmara dos Vereadores como suplente uma senhora muito ativa, muito cheia de ideias e vontades, que se intitula pastora Luciana. É interessante que prefere usar a marca de sua profissão que o título de vereadora. No seu discurso de posse resumiu de forma melodramática a sua própria história de vida, que talvez considere um exemplo de redenção para os outros, especialmente para os seus parcos eleitores. Mas não estou interessado em vereadoras com vidas exemplares e nem em políticos com propensão messiânica. Na verdade, a Câmara dos Vereadores não é exatamente o lugar para esse tipo de viés redentor. Com todos os meus anos bem vividos aprendi a desconfiar de quem usa sua própria confissão religiosa de forma exibicionista.

Por trás desses fervores muitas vezes se escondem hipocrisia e pouco serviço prestado aos cidadãos. A última façanha dessa senhora é querer derrubar uma regulamentação da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, que considera certos espaços urbanos, como os pontos e terminais de transporte coletivos como zonas de proteção sonora. Pois bem, essa senhora, mais chegada a um proselitismo religioso que ao exercício do espírito republicano, que por sinal ela demonstra não saber do que se trata, parece estar lutando pela liberdade de expressão, pois a regulamentação acima referida estaria cerceando a livre manifestação do pensamento nos terminais de ônibus. Dei uma lida na regulamentação e não encontrei em nenhum momento algo quede longe parecesse proibição expressa de qualquer tipo de manifestação, leiga ou religiosa, naqueles pontos de reunião de pessoas. O que a regulamentação interdita é o uso de amplificadores, de alto falantes, de equipamentos de som. Ou seja, a regulamentação trata de decibéis e não cassa a palavra de ninguém.

O que essa senhora piedosa está querendo é a volta da velha histeria amplificada dessas pessoas que acreditam que Deus é surdo e Jesus precisava de uma consulta urgente no otorrino. Nossa cidade já é barulhenta demais, mas esta senhora parece achar pouco. Ruído é sinal de subdesenvolvimento, de indigência intelectual, de baixa escolaridade. No Sermão da Montanha não se usou amplificadores e aparelhos de som poderosos, mas a mensagem foi perfeitamente entendida e espalhada pelo mundo. E não costa que o grande pregador de Nazaré fosse homem de andar gritando pelos campos de Israel. Na verdade, o que falta é mais fiscalização e legislação mais punitiva para educar esses fazedores de ruído. Basta andar em qualquer rua de comércio, exceto os Shoppings Center, que vamos ser assaltados por publicitários do comércio que batem palmas no pé do ouvido do freguês, pois pensam que estão lidando com sonâmbulos, ou ligam caixa de som com música brega no último volume já que acreditam que o cliente é um deficiente auditivo. Os bares e casas noturnas parecem querer destruir os tímpanos dos incautos frequenta dores. E, naqueles ambientes saturados de som, a arte de conversar morreu afogada em ritmos vulgares. E há um bom número de igrejas evangélicas que levam à loucura conseguir uma conversão. A pastora Luciana não está defendendo a liberdade de expressão, longe disso, o que ela quer é infernizar os cidadãos que precisam tomar uma condução para seus afazeres diários com ruídos de caixas de som e megafones, pois tem gente que parece não se contentar com a voz humana.

Nenhuma regulamentação, de nenhum órgão público, numa democracia, pode impedir a livre expressão de ideias, ou pregação religiosa. Desde que seja usado o gogó. É tudo o que precisa aqueles que desejam transmitir suas crenças ou protesto seja nos terminais, seja em qualquer logradouro público. Afinal, quando Jeová falou com Moisés, usou uma sarça ardente e não um megafone. Pastora Luciana, vá procurar o que fazer!

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