Presidenciável/Presidente
Juscelino Kubitschek
Juscelino Kubitschek de Oliveira. Médico, nascido na cidade de Diamantina/MG, no dia 12 de setembro de 1902. Foi chefe do Gabinete Civil do Governo do Estado de Minas Gerais (1933-1934). Em abril de 1934 filiou-se ao Partido Progressista de Minas (PP), com o objetivo de concorrer ao cargo de deputado federal nas eleições de outubro seguinte, do que resultou ser eleito para seu primeiro mandato parlamentar, iniciado em maio de 1936. Ante a necessidade de permanecer no Rio de Janeiro, então capital da República, licenciou-se do cargo que ocupava no Hospital Militar, bem como das funções que exercia na Santa Casa de Belo Horizonte.
Com a decretação do Estado Novo e o fechamento do Congresso Nacional (1937), Juscelino perdeu seu mandato na Câmara e retornou à medicina. Na sequência, foi nomeado prefeito de Belo Horizonte (1940-1945), participou da criação do PSD em Minas, elegeu-se deputado federal (1946-1950) e governador do Estado (1951-1955). Concorreu à Presidência da República pela coligação PSD-PTB, tendo como vice João Goulart (1918-1976). Eleito, tomou posse em 31 de janeiro de 1956, após
grave crise política. Com o fim de seu mandato, elegeu-se senador pelo Estado de Goiás (1962-1964). Após o golpe militar de 1964 teve seu mandato cassado e os direitos políticos suspensos por dez anos. Exilado, retornou ao Brasil em 1967. JK foi 20° presidente brasileiro.
Faleceu no dia 22 de agosto de 1976, em um acidente automobilístico no km 165 da Rodovia Presidente Dutra, em São Paulo.
Juscelino Kubitschek de Oliveira, que ficou também conhecido como JK, foi um homem de grande habilidade política, um conciliador. Proferiu muitas frases inteligentes. Destacamos duas delas: “Não nasci para ter ódio, nem rancores, nasci para construir” e “Costumo voltar atrás, sim. Não tenho compromisso com o erro”.
Quando em abril de 1955 ele pisou o solo de Itacoatiara, era apenas um pretendente à cadeira presidencial, vale dizer: tinha qualidades para ser eleito e/ou possibilidade de o ser. A respeito dessa curta passagem, escrevi em 1998:
1955: 6 de abril. Juscelino Kubitschek, candidato à Presidência da República, chega a Itacoatiara e realiza comício. Procedente do Baixo Amazonas e a caminho de Manaus, o candidato pelo PSD (Partido Social Democrático) chegou às 17:00 horas, transportado em um hidroavião da Panair do Brasil. Postado de pé em um dos bancos da Praça da Matriz, defronte à loja A Pernambucana, o grande brasileiro dirigiu a palavra à pequena multidão que o assistia. Saudado pelo médico do SESP e futuro deputado estadual José Mendes, foi servido de um copo d’água levado a seu pedido pelo jovem João dos Santos Lopes, balconista dessa loja.
Após finalizar seu improvisado comício, JK adentrou na Igreja Matriz da cidade, ajoelhou-se diante da imagem da Senhora do Rosário, fez uma breve oração e se despediu. Deixou Itacoatiara quase ao anoitecer dirigindo-se a Manaus onde deu seguimento à campanha vitoriosa que o levaria ao Palácio do Catete. Em entrevista aos jornais da capital disse que, se eleito, multiplicaria todos os esforços no sentido de tornar realidade a exploração do petróleo no Amazonas.
Depois, já presidente da República, JK retornaria duas vezes ao nosso Estado: em abril de 1956, para conhecer o trabalho da PETROBRÁS em Nova Olinda do Norte; e em janeiro de 1957, para inaugurar a Refinaria de Manaus (REMAN). Por óbvio, trataremos aqui apenas da viagem presidencial de 1956.
Quatro meses antes, ou seja, no final de 1955, Nova Olinda havia sido elevada à condição de cidade-sede do Município homônimo, desmembrado do de Itacoatiara. Porém, a despeito de ganhar independência política, o novo município continuaria por pelo menos uma década dependendo social e economicamente de Itacoatiara – este um município polo e com forte influência sobre toda a região do Médio Amazonas.
Afora os discursos laudatórios e de presságio ao bom futuro, pronunciados quando da cerimônia de instalação municipal, pouco ou quase nada mudaria. Nova Olinda continuava no mesmo ramerrão. A descoberta de petróleo alimentou sonhos impossíveis. Seis anos depois, a euforia cairia por terra, a esperança de melhores dias resultaria inócua: um dos relatórios de Walter Kink descartou a probabilidade de se produzir petróleo na Amazônia em escala industrial, pelo menos naquele estágio de evolução da geofísica.
Segundo registros oficiais da época,
Para uma visita de dois dias ao Amazonas, que inclui uma inspeção aos trabalhos da PETROBRÁS, na região de Nova Olinda, chegou a Manaus, ontem à tarde [18 de abril de 1956], o presidente Juscelino Kubitschek. No aeroporto de Ponta Pelada, onde pousou o avião presidencial às 14:30 horas, achavam-se presentes o governador Plínio Coelho e senhores secretários, o presidente da Assembleia Legislativa, deputado Edson Stanislau Afonso, o desembargador Rocha Carvalho, presidente do Tribunal de Justiça, o prefeito de Manaus senhor Stênio Neves, o brigadeiro Nelson Wanderley, comandante da 1ª Zona Aérea, o coronel Victor Leitão, comandante da Guarnição Federal do Amazonas, outras autoridades federais e estaduais, além de grande número de populares.
O avião presidencial partiu do Rio de Janeiro e, antes de alcançar Manaus, fez escalas em Anápolis e nas bases aéreas de Cachimbo e Jacareacanga, no Estado do Pará. Da comitiva, sem citar o staff presidencial, faziam parte o presidente da Petrobrás Janary Nunes, diversos parlamentares federais da chamada ‘bancada nortista’, entre os quais o deputado Francisco Pereira da Silva que foi um caloroso companheiro de propaganda de Juscelino Kubitschek.
À tarde, o presidente foi homenageado em sessão especial da Assembleia Legislativa do Amazonas. E, à noite, no banquete que lhe foi oferecido, no Ideal Clube, discursou sobre o Plano de Valorização Econômica da Amazônia, afirmando entre outras coisas:
“A Amazônia não pode ser apenas um tema literário, um assunto internacional, um paraíso de histórias exóticas, um campo para aventureiro em busca de emoções novas. A Amazônia não é mais um mundo ao nascer, um mundo estirando os braços ao seu despertar. A Amazônia é um problema de governo que deve ser colocado com grandeza e exatidão. É mais do que um problema de governo: é na verdade um problema de consciência da nacionalidade. […] Aqui estive por diversas vezes, candidato à Presidência da República, e fiz promessas concretas. Volto presidente, no pleno exercício do meu cargo, para dizer-vos que não é em vão que aqui estou (…). Vim para dizer-vos que o candidato e o presidente não são duas pessoas diferentes, mas uma só, solidariamente unida no cumprimento das promessas feitas. […] Tudo leva a crer que teremos, em breve, notícias positivas para dar ao povo desta região e de todo o País”.
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O governo de Juscelino Kubitschek entrou para história do País como a gestão presidencial na qual se registrou o mais expressivo crescimento da economia brasileira. Na área econômica, o lema do governo foi Cinquenta Anos em Cinco.
Consoante o escritor e economista mineiro Carlos Alberto Teixeira de Oliveira,
“JK assumiu a Presidência em 1956 e, para que a sua ambiciosa estratégia de crescimento funcionasse, tinha como objetivo desenvolver economicamente o País priorizando o processo de industrialização. Dessa forma, traçou o Plano de Metas.
Os investimentos seriam direcionados a diversos setores. A maioria dos recursos foi destinada à energia (fornecimento) e transporte – construção e ampliação de estradas. Mas ainda houveram repasses para a área de alimentação e para as indústrias de base. Entretanto, para que tudo isso acontecesse, o então presidente determinou que o Estado deveria intervir na economia e, dessa forma, abriu as portas para o capital estrangeiro. […] Além da fundação de Brasília, (21 de abril de 1960), outros pontos importantes do governo JK foram: as indústrias automobilística e de construção naval e a [criação da] SUDENE.
A prioridade dada ao crescimento e desenvolvimento econômico do País recebeu apoio de importantes setores da sociedade, incluindo os militares, os empresários e sindicatos trabalhistas. O acelerado processo de industrialização registrado no período, porém, não deixou de acarretar uma série de problemas de longo prazo. O governo realizava investimentos no setor industrial a partir da emissão monetária e da abertura da economia ao capital estrangeiro”.
E, agora, aduzimos nós: a emissão monetária, durante o governo de Juscelino Kubsticheck, ocasionou um agravamento do processo inflacionário, enquanto que a abertura da economia ao capital estrangeiro gerou uma progressiva desnacionalização econômica, devido a que as chamadas multinacionais passaram a controlar setores industriais estratégicos. O controle estrangeiro sobre a economia brasileira era preponderante nas indústrias automobilísticas, de cigarros, farmacêutica e mecânica. Em pouco tempo, as multinacionais começaram a remeter grandes remessas de lucros para seus países de origem.
Portanto, se por um lado o Plano de Metas alcançou os resultados esperados, por outro, foi responsável pela consolidação de um capitalismo extremamente dependente que sofreu muitas críticas e acirrou o debate em torno da política desenvolvimentista.
A gestão de Juscelino Kubitschek também foi marcada pela implementação de um ambicioso programa de obras públicas com destaque para construção da nova capital do Brasil. Em razão de seu arrojado projeto arquitetônico, a construção da cidade de Brasília tornou-se o mais importante ícone do processo de modernização e industrialização do Brasil daquele período.
O responsável pelo projeto arquitetônico de Brasília foi Oscar Niemeyer, enquanto o projeto urbanístico ficou a cargo de Lúcio Costa. Por conta disso, destacam-se essas duas personalidades, mas é preciso ressaltar que administradores ligados ao presidente JK, como Israel Pinheiro e Bernardo Saião, também foram figuras importantes no projeto. As obras de construção de Brasília duraram mais de três anos. A cidade foi inaugurada pelo presidente em 21 de abril de 1960.
Os experts em Ciência Política são unânimes em afirmar que, em comparação com os governos democráticos de antes e após Juscelino Kubitschek, seu mandato presidencial apresenta o melhor desempenho no que se refere à estabilidade política. A aliança entre o PSD e o PTB garantiu ao Executivo Federal uma base parlamentar de sustentação e apoio político que explica os êxitos da aprovação de programas e projetos governamentais. O PSD – um partido conservador, que representava interesses de setores agrários, da burocracia estatal e da burguesia comercial e industrial – era a força dominante no Congresso, pois possuía o maior número de parlamentares e o maior número de ministros no governo. O PTB, ao contrário, reunia lideranças sindicais representantes dos trabalhadores urbanos mais organizados e setores da burguesia industrial. O êxito da aliança entre os dois partidos deveu-se ao fato de que ambos evitaram radicalizar suas respectivas posições políticas, ou seja, conservadorismo e reformismo radicais foram abandonados.
Na sucessão presidencial de 1960 se apresentaram como candidatos: Jânio Quadros, apoiado pela UDN; Henrique Teixeira Lott, pelo PTB aliançado com o PSB (Partido Socialista Brasileiro); e Ademar de Barros, pelo PSP. A vitória coube a Jânio Quadros, que obteve seis milhões de votos. À época, as eleições para presidente e vice-presidente da República ocorriam separadamente. Assim, o candidato da UDN a vice-presidente era Milton Campos, mas quem venceu foi o candidato do PTB, João Goulart, que a partir dali iniciaria seu segundo mandato como vice-presidente.
Nas eleições realizadas em 3 de outubro de 1960, o candidato Jânio Quadros obteve esmagadora vitória, apesar da reeleição do vice-presidente João Goulart. Em 31 de janeiro de 1961, Kubitschek transmitiu o poder ao novo presidente e nas eleições extraordinárias realizadas em 4 de junho de 1961, Juscelino elegeu-se senador pelo Estado de Goiás, na legenda do PSD.
Em 25 de agosto de 1961, a renúncia do presidente Jânio Quadros criou uma crise em Brasília, resolvida precariamente com a posse do presidente João Goulart que teve os poderes limitados através da adoção, pelo Congresso, de uma emenda constitucional instituindo no Brasil o sistema de governo parlamentarista. Em janeiro de 1962 um plebiscito determinava a volta do presidencialismo, com João Goular na chefia do governo.
Os grupos ligados ao presidente propunham reformas econômicas de longo prazo, as chamadas “reformas de base”. Porém, seus opositores seduziram os militares, com o argumento de que as reformas propostas eram de inspiração comunista. Em 31 de março de 1964 eclodiu o movimento militar que depôs o presidente João Goulart. Em 8 de junho foi baixado um ato cassando o mandato do senador Juscelino Kubitschek e suspendendo seus direitos políticos por dez anos. Melancolicamente, terminava ali a carreira política desse grande brasileiro.
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Linhas atrás, noticiamos que o presidente Juscelino Kubitschek chegou a Manaus no dia 18 de abril de 1956. Agora prosseguimos…
No dia seguinte, para ir conhecer os poços petrolíferos do Médio rio Madeira, JK, alguns de seus principais assistentes, o governador Plínio Ramos Coelho, o presidente da PETROBRÁS e outras altas autoridades, deixaram Manaus embarcados em dois Catalina da FAB. Na noite anterior, em um confortável navio da frota dos SNAAP, dezenas de outras personalidades – o prefeito de Manaus, o bispo diocesano dom Alberto Gaudêncio Ramos, parlamentares estaduais, militares, comunicadores, empresários, sindicalistas, além de curiosos interessados em participar das comemorações, ver, saber, informar-se a respeito do petróleo e conhecer o presidente, tomaram o rumo de Nova Olinda do Norte.
Na antevéspera, para recepcionar o presidente JK, tanto na capital quanto em Nova Olinda do Norte, haviam chegado a Manaus, procedentes de Belém: o comandante da 1ª Zona Aérea brigadeiro Nelson Wanderley, o superintendente da SPVEA Waldir Bouhid o diretor-geral dos SNAAP Darcy Caldeira e o presidente do BASA, José da Silva; de Porto Velho: o governador do Território Federal (atualmente Estado) de Rondônia José Ribamar Miranda; e de Boa Vista: o governador do Território Federal de Rio Branco (atualmente Estado de Roraima) Clóvis Barbosa, e o deputado federal Félix Araújo.
De Itacoatiara seguiram para Nova Olinda do Norte: o prefeito Raimundo Perales; os vereadores Adamastor de Figueiredo (presidente da Câmara), Luiz da Paz Serudo Martins (vice-presidente), Arnóbio Oliveira e João Valério; o juiz de Direito Edson Marques de Araújo; o promotor de Justiça Geraldo de Macedo Pinheiro e o tabelião Pedro Rodrigues Bezerra (1920-c.1981); o vigário padre Alcides de Albuquerque Peixoto (1911-1998); o coletor federal Estácio de Albuquerque Alencar; o administrador da Mesa de Rendas Estadual Elias dos Santos Ferreira (1922-2007); os gerentes das agências do Banco do Brasil, Sebastião Higino de Vasconcellos Dias (1918-1994), e do BASA, Almir Andrade de Menezes (1922-c.2009); o servidor municipal Paulo Gomes da Silva; e vários comerciantes e servidores públicos municipais.
A comitiva itacoatiarense aproveitou o ensejo para entregar um memorial ao presidente pleiteando a solução dos graves problemas municipais, principalmente o da energia elétrica: há cerca de 10 anos as ruas da cidade, à noite, viviam na mais completa escuridão. A falta de energia obstaculizava-lhe o desenvolvimento. Ao receber o documento das mãos do prefeito Raimundo Perales, ali mesmo JK o repassou a Waldir Bouid recomendando prioridade ao assunto. Em breve a iluminação pública e domiciliar em Itacoatiara seria um assunto superado: em 1958, graças à liberação de recursos federais, através da SPVEA, foram inauguradas a rede de distribuição elétrica e a nova usina de luz dotada de dois possantes motores a diesel.
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Naquele ensolarado dia 19 de abril de 1956, o presidente JK sobrevoou a região compreendida entre a foz do Madeira e o rio Abacaxis. Ao descer em Nova Olinda do Norte foi festejado com abraços e delirantemente aplaudido. Chegou a chorar lágrimas de emoção quando viu despejar o petróleo: ele próprio dirigiu a demonstração acionando o poço pioneiro. No fim da tarde voltaria à capital amazonense e, dali, ao Rio de Janeiro.
Nos dois anos que se seguiram à data histórica de 13 de março de 1955 – dia em que jorrou petróleo em Nova Olinda do Norte –, outras cinco perfurações foram feitas nas proximidades do poço pioneiro NO1-AM. O período de euforia e esperança teve, no entanto, curta duração. O petróleo voltou a jorrar no poço NO-2-AM, localizado na Ilha de Maracá, mas a Petrobrás, acatando os argumentos lavrados no chamado “Relatório Link”, alegou que “o hidrocarboneto da região não tinha valor comercial e determinou o fechamento dos poços”.
Tal relatório reporta os resultados do trabalho do geólogo norte-americano Walter Link que, durante seis anos, chefiou o projeto de exploração da PETROBRÁS, cuja falta de resultados levou-o a deixar às pressas o nosso País, em 1960, acusado de sabotagem por jornalistas e políticos nacionalistas. Em 2005, meio século após a entrada em operação do poço pioneiro de Nova Olinda, um dos trabalhadores que vivenciaram aquele momento histórico, Jeremias Gomes da Costa, daria a seguinte informação:
“Nós derramamos sessenta sacos de cimento de 50 quilos da marca Zebu no poço N0-1-AM. Na torre N0-2-AM foram derramados quarenta sacos de cimento puro. Tinha que tapar… Eu sempre achei que tinha dedo dos americanos, porque eles não queriam que desse petróleo aqui. Não queriam porque nós íamos deixar de comprar deles. Em minha opinião há muito petróleo e gás em Nova Olinda”.
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Entre 1947 e 1964, como em todo o Brasil Itacoatiara respirava liberdade. A Constituição Federal de 1946 sepultara a Era Vargas e a partir dali a cidade foi em busca de descobrir novas lideranças. Era um tempo em que a classe média encorajava-se no plano político. A questão crucial era aprimorar a Democracia e proporcionar o maior engajamento da sociedade nos destinos da cidade, do Estado e do País. Predominava o espírito de participação, avultava o desejo de expressar e ouvir opiniões, de discutir os problemas regionais, nacionais e até internacionais. A Câmara Municipal centralizava os debates e alguns vereadores ousavam no discurso. Além da discussão de assuntos meramente locais, os parlamentares municipais postulavam pela construção de uma estrada ligando a cidade à capital; discutiam sobre sindicalismo e necessidades do operariado brasileiro; tratavam da política do petróleo e de suas consequências nesta região; se mostravam inquietos com a propalada ingerência do governo norte-americano na América Latina; e exultavam com a ascensão de Fidel Castro em Cuba. Uma década mais tarde, os vereadores que mais ousaram na abordagem dos três últimos temas – Paulo Pedraça Sampaio e Argos do Amaral Valente – seriam perseguidos e presos pelo regime militar de 1964.
Foi uma época rica em proposituras e em realizações, pródiga em conquistar espaços oportunizando que o social se sobrepusesse ao individual. Por toda a cidade fervilhavam ideias progressistas.
Havia anos, a seção local do Partido Comunista havia sido fechada e em razão disso seus membros passaram a se reunir clandestinamente. A campanha d’O Petróleo é Nosso’ era defendida localmente pelo vereador Francisco Ferreira Ataíde e o jovem estreante político, João Valério de Oliveira. A defesa das políticas sindical e trabalhista estava centralizada nos sindicatos dos Estivadores e dos Trabalhadores na Construção Civil – ambos assessorados por Paulo Pedraça Sampaio, líder político e sindical carismático. No seio da Escola Comercial de Itacoatiara, criada em 1952, começaram a surgir líderes estudantis.
Em julho de 1954, desembarcou em Itacoatiara, procedente de Belém, o oficial da “linha dura” do Exército, general Justino Alves Bastos, à época Comandante da 8ª Região Militar,
“[…] ao descer no porto da cidade, foi surpreendido por uma grande inscrição do Partido Comunista Brasileiro esculpida na parede externa do prédio de José Monassa, ao lado da [atual] pracinha do Relógio, fazendo frente para o rio Amazonas. Nervoso, o general convocou alguns soldados que serviam ao Tiro de Guerra nº 276 local, para apagar o letreiro. Além de demorada, a tarefa resultou infrutífera: o símbolo do comunismo internacional (foice e martelo) havia sido pintado em piche, substância negra e muito pegajosa… trabalho feito pelos comunistas locais Eloy Honorato da Silva, Manoel Mendes da Silva (19221986), César do Carmo Garcia (1908-1993) e Cícero Ferreira da Silva (1919-1993), liderados por Paulo Pedraça Sampaio […] A pintura do dístico comunista mexeu com os brios do general Justino [e o irritou fortemente]”.
No período ligeiramente anterior à visita do candidato Juscelino Kubitschek a Itacoatiara, o Município colocava-se como o mais populoso do interior amazonense: 30.102 habitantes, sendo 15.449 homens e 14.653 mulheres. Inobstante a segunda guerra mundial e a enchente grande de 1953 haverem influído negativamente nos setores de abastecimento alimentar, emprego e renda, a receita orçamentária municipal referente ao exercício de 1952 fora orçada em Cr$ 1.047.848,20 (um milhão quarenta e sete mil oitocentos e quarenta e oito cruzeiros e vinte centavos).
No espaço entre a mencionada visita e a posse de JK, três fatos significativos da história local chamariam a atenção repercutindo em todo o Estado do Amazonas: 1) a cassação, no dia 8 de setembro de 1955, do prefeito Teodorico de Almeida Nunes, pela Câmara Municipal; 2) a morte, em 9 de agosto de 1955, do deputado estadual Antônio Vital de Mendonça, vítima de um desastre aéreo, ele e três companheiros de infortúnio, quando sobrevoavam um trecho da periferia de Itacoatiara, donde partiria a estrada ligando esta cidade à Manaus; e 3) o início, em dezembro de 1955, do movimento encabeçado pelo prefeito municipal em exercício, Adamastor Onety de Figueiredo, contra decisão do governador Plínio Coelho procriação do novo município de Nova Olinda do Norte, com terras desmembradas de Itacoatiara.
Aquilo que demonstrava ser uma ação meramente paroquial tomou vulto e foi barulhentamente discutida no plenário da Assembleia Legislativa, em Manaus, e finalmente levada a julgamento no Supremo Tribunal Federal, no Rio de Janeiro; entretanto, a suprema corte optou por indeferir a causa de Itacoatiara. Em represália, o prefeito Adamastor Onety de Figueiredo desligou-se do partido do governador (PTB), ingressou no PSD e rompeu politicamente com o antigo correligionário e amigo Plínio Coelho.
Detalhe: o advogado que fez a defesa do Município de Itacoatiara, levando o feito até o Supremo Tribunal Federal, foi o causídico amazonense e então deputado federal Paulo Pinto Nery, adversário político histórico do governador Plínio Ramos Coelho.
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A gestão do presidente Juscelino Kubitschek (1956-1960) foi importante para o Brasil e também refletiu em Itacoatiara. Entre as ações positivas desse período, aqui operadas, ressaltamos:
Em 1957: 1) inauguração do Aeroporto do Guajará, oficialmente denominado de Arico Barros. A partir daí, com a desativação dos hidroaviões da Panair do Brasil, as viagens aéreas passaram a ser operadas pelos aviões DC-3, os famosos Douglas norte-americanos, e, mais tarde, os modernos YS-11, da empresa Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul; e 2) ampliação do sistema de saneamento básico/abastecimento público de água – fruto de um convênio de cooperação entre o SESP e a Prefeitura Municipal; em 1958: inauguração da nova usina de luz e da rede de distribuição de energia elétrica (todas essas obras custeadas com verbas federais, através da SPVEA); em 1959: implantação do projeto ETA-54, mediante o plantio de mais de meio milhão de seringueiras numa área às margens do rio Urubu, a partir do km 20 da rodovia AM-10, uma operação dirigida pelo IAN, órgão federal sediado em Belém, em convênio com o Governo do Estado do Amazonas; e em 1960/1963: construção da sede própria da Agência local do Banco da Amazônia, defronte à Prefeitura Municipal.
Releva informar, finalmente, que em fevereiro de 1956 Itacoatiara presenciou uma tentativa de tomada da cidade por oficiais da Aeronáutica rebelados contra a posse do presidente JK. Tão dramático episódio, perpetrado sob a liderança do major-aviador Haroldo Coimbra Veloso (19201969) e do capitão José Chaves Lameirão (1926-1975), começou pela tomada da Base Aérea de Jacareacanga e da cidade de Santarém, ambas no Estado do Pará. Os revoltosos, empolgados, pilotando um avião militar Douglas B-17, aterrissaram no Campo de Pouso de Itacoatiara, mas, graças à pronta intervenção do Tiro de Guerra nº 276, sob o comando do sargento Orlando Ferreira Cruz, e ao apoio do 27º Batalhão de Caçadores (27ºBC), sediado em Manaus – eles foram detidos e seus intentos subversivos abortados.
*Capítulo sexto do livro Presidentes e Presidenciáveis da República em Itacoatiara, do Autor.
Obs. Este artigo teve suprimidas suas notas. A quem interessar a leitura do texto original, completo, pode acessar o link a seguir.
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