Manaus, 9 de dezembro de 2023

Recolher o lixo

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Ao término de uma obra de engenharia civil, desmontados os andaimes que houver, costuma instaurar-se a fase da limpeza do ambiente trabalhado, recolhendo em latas, baldes e outros recipientes, normalmente com o auxílio de pás, para levar ao depósito especialmente ali posto, tudo quanto, por imprestável, restou do material, do que foi utilizado ou desprezado com derrubadas necessárias. Cimento, latas vazias de tinta ou de massa corrida, pedaços de madeira que se fizeram em pontas do que sobrou de medidas apropriadas, fios, interruptores e tantas outras coisas que se vão misturar, às vezes, a sandálias velhas, tênis rasgados, botas que se tornaram inservíveis, bermudas e outras peças de roupas que, inadvertidamente ou não, operários possam ter deixado ficar, para recolher depois. Se um pouco maiores as obras, há até que providenciar um container para receber o imprestável, que depois haverá de ser transportado por carro de empresa especializada e ganhar acomodação apropriada no lixo da cidade, organizado ou não. E é claro que isso se deve fazer antes de entregar o trabalho a seu verdadeiro dono.

Pois bem, chegamos, afinal, ao término da campanha política com os programas em horários obrigatórios na televisão e no rádio, o que presume concluída a obra de busca de convencimento dos que são, nos termos da Constituição, os detentores legítimos do poder e que, no domingo que se aproxima, último de outubro, deverão depositar na urna eletrônica de sua cabine de votação, os dois algarismos que representam sua escolha dos rumos do Brasil para os próximos quatro anos e, em nosso caso, também do Amazonas. Ontem, neste pedacinho de Brasil, repetiu-se um debate curioso, de um homem só, que se transformou em entrevista porque ausente um dos pretendentes à cadeira de governador. São muitos os exemplos dessa espécie, Brasil afora, infelizmente.

Concluída a jornada, mesmo que de forma solitária, desmontados os palanques, como se faz com os andaimes, é preciso, como no exemplo da engenharia, limpar o lixo, recolher as sandálias largadas nos corredores ou nos banheiros, lavar com produtos apropriados o piso e transferir para o container tudo quanto se houver tornado inservível.

Tenho comigo a impressão de que há muito, muito mesmo, a recolher. “Santinhos”, cartazes, banners, folhetos, folhas de jornal e de revista, e por aí vai. Há muito mais que isso: tivemos um tempo de mentiras, de inverdades que ganharam o apelido de “fake news”, plantadas e até pronunciadas pessoalmente, às vezes sem cuidado qualquer. As ofensas, as mentiras, os agravos, as agressões, tudo isso deve servir ao lixo da história desta temporada, o que em verdade já aconteceu para alguns no período que se põe entre o dia seguinte ao primeiro e essa eleição de segundo turno.

Há, provavelmente, frustrações naqueles que esperavam ouvir propostas, ideias factíveis, indicações de como fazer, coisas assim que pudessem contribuir efetivamente para a melhoria de vida de homens e mulheres que lutam pela sobrevivência, pela fuga da fome, da miséria, em busca de um teto, do raiar ao por do sol de todos os dias, de janeiro a janeiro, ano após ano. Não foi bem assim aquilo a que se assistiu. Tomo de empréstimo a ideia de um circunstante em um elevador, para quem o período que se encerra parece não haver tido como foco fatos e ações positivas da vida política de cada candidato, fazendo-se, em verdade, o que se poderia chamar de a campanha do demérito.

No lixo das obras, não são poucos os que buscam coisas a aproveitar, remexendo-o, removendo-o, em busca de alimento e até sem cuidado ou proteção manual que os possa resguardar de eventuais incidentes. E se encontram algo que não têm em que usar imediatamente, guardam para o que se poderia chamar, para efeito didático, de necessidade futura.

Assim se dá na política. Há os que, amantes do caos, regozijantes da maldade, recolhem desse lixo peças, vídeos, pronunciamentos escritos, entrevistas, para fazer uso um dia, em obra próxima, em campanha vindoura, municiando os que querem agredir, e até, ao que dizem, vendendo por preço alto o material que, então, torna-se importante para a obra nova. E há até, imagino, quem possua material vindo do lixo de facções e pessoas diferentes, que possam, no momento novo, estar em lados opostos, o que, se verdadeiro como dizem, desmente a ideia cristã de que é impossível servir a dois senhores.

Deus permita que tiros de fuzil ou de qualquer outra arma não se repitam, nem granadas sejam detonadas, como há dois dias, porque mesmo o lixo mais sujo não lhes deve comportar. Proclamado o resultado do pleito há que daí surgir um único vencedor, o povo brasileiro, que tem direito ao respeito e à dignidade para fazer livremente e em paz suas escolhas de formas e modos de vida. Afinal, é do povo que o poder emana, ao dizer da Constituição.

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