Em 1965, um amigo nascido em Patos, interior da Paraíba, foi preso como subversivo e dois meses depois seu corpo foi entregue à família dentro de um caixão lacrado. Seu crime foi acreditar que a luta armada era a única forma de construir uma sociedade democrática onde riqueza, educação, saúde e qualidade de vida estivessem ao alcance de todos.
Conversávamos muito sobre o Brasil e a Amazônia, e ele sempre resgatava o exemplo de Ajuricaba para justificar o sacrifício de vidas na consolidação de processos de mudança. Aos meus argumentos contra o genocídio, ele respondia com uma frase definitiva: “Ozorio, meu caro amigo, desde Cristo não há redenção sem sangue”.
Penso que o processo de mudança, na Amazônia, não precisa incluir o extermínio físico de pessoas, mas julgo inevitável que algumas cabeças sejam descartadas, pois elas têm impedido o florescimento de ideias novas e criativas que efetivem o verdadeiro e necessário processo de mudança regional.
UMA ROTA PERDIDA
A rota para a nossa redenção sem sangue foi traçada em dois documentos no primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso – Política Nacional Integrada para a Amazônia Legal (1995) e Agenda Amazônia 21: bases para discussão – (1997), embriões bem nutridos resultantes do acasalamento harmonioso do Governo Central com a sociedade civil brasileira, cuja fecundação e gestação ocorreram na Secretaria de Coordenação da Amazônia (SCA), um órgão do Ministério do Meio Ambiente (MMA) que, na época, era chefiada pelo Dr. José Seixas Lourenço. Esses documentos, além de trazerem enorme suporte teórico das chamadas ciências do desenvolvimento, ou da sustentabilidade (development sciences, ou sustainable sciences), ainda sinalizavam a necessidade da criação de um Ministério da Amazônia.
AS GRANDES PREMISSAS
As grandes premissas do desenvolvimento da Amazônia foram resumidas em quatro itens essenciais: 1. Construção de uma civilização moderna de biomassa, baseada no uso sustentável dos recursos renováveis; 2. Soluções rápidas para os problemas de pobreza urbana e rural da região; 3. Definição do papel da Amazônia na estratégia de desenvolvimento sustentável do Brasil e; 4. Estabelecimento dos níveis de responsabilidade, compartilhada entre os países que constituem a Grande Amazônia.
AS DIVERSIDADES
Os documentos reconheciam as diversidades regionais entre as quais a físico-natural, de populações, étnica, cultural, social, econômica, etc., o que permitiu uma ampliação do foco sobre a Amazônia, que estava quase totalmente concentrado na diversidade biológica.
Os documentos também identificaram os fatores de instabilidade regional como o uso inadequado de tecnologias que comprometem a relação homem-natureza, a insegurança no campo que causa conflitos entre grupos sem terra e latifúndios irregulares, a incerteza de emprego, motivada pelas indústrias de alta tecnologia que substituem homens por máquinas, a intranquilidade social associada à enorme exclusão social e a inconsistência dos mecanismos de crédito, de tecnologias importadas e de mercados. Mas, acima de tudo se reconhecia a falta de um plano de desenvolvimento real, ético e sustentável.
Hoje, 20 anos depois, é difícil entender o abandono daquelas ideias de desenvolvimento cuja causa, atribuo à vaidade de políticos (no mau sentido) que vivem apenas para tentar tatuar suas incompetentes marcas nas iniciativas de desenvolvimento regional. Se houvesse, realmente desejos de beneficiar a região o procedimento ético e moral seria dar continuidade aos planos e projetos já existentes, aperfeiçoando-os quando necessário, corrigindo a rota sem alterar o rumo. A mais grave consequência desse lamentável equívoco científico e ambiental (e político?) foi a imobilização do Centro de Biotecnologia do Amazonas durante os últimos treze longos anos. Minhas preocupações olham para o futuro e para o presente sem que consiga ver, na classe política e empresarial, qualquer iniciativa saudável para a Amazônia, pois nossos “representantes” só sabem seguir, passivamente as ordens de seus donos o que parece obrigar a pensar naquelas ideias de meu saudoso e bravo amigo que registrei no começo e repito para frisar a ideia: “Ozorio, meu caro amigo, desde Cristo, não há redenção sem sangue”.