Nossas elites (com o perdão da má aplicação do conceito) sempre buscaram a comiseração nacional e ao sensacionalismo patrioteiro, restando na memória o folhetim ridículo de nossas derrotas. Para lembrar o fracasso da economia do látex temos o assassinato acidental de uma bela violinista, Ária Ramos, num baile carnavalesco no Ideal Clube; o medíocre ciclo da juta acabou na prisão do governador Plinio Coelho, em plena praça General Osório, numa noite do Festival Folclórico.
Nem posso imaginar qual será o episódio grotesco que marcará o fim já anunciado da Zona Franca. Certamente os colunistas sociais, que são os nossos verdadeiros comentaristas políticos, inventarão uma versão ruminante do Baile da Ilha Fiscal. Nada de gráficos descendentes ou medidas inúteis, nossa memória prefere um folhetim do SBT. Quando a economia da borracha quebrou a memória nos remete para uma manhã calorenta de Manaus, palco dos quadros da ruína: suicídios, debandada de aventureiros, navios lotados de arrivistas em fuga, as passagens esgotadas, famílias inteiras em mudança, os palacetes abandonados. Os que permaneceram, ou não tiveram forças para escapar, foram contaminados pelos sintomas da miséria crescente durante os anos loucos da década de 20, enquanto o mato assaltava as ruas calçadas com paralelepípedos importados.
Quando a oligarquia governamental foi deposta pelo tenente Ribeiro Júnior, em 1924, era como se todos se vingassem dos humilhantes sofrimentos. As tropas do jovem tenente Ribeiro Júnior, engrossadas pelos funcionários públicos e miseráveis braçais, tomaram conta de Manaus. O clima de corrupção que a estagnação alimentara, agonizava nos decretos de expropriação do tenente libertário. Palacetes foram invadidos e saqueados, até que, novamente, a situação voltou a ser controlada pelo poder, com tropas do Pará. Mas não era uma revolução o que se via, era uma agonia: pelos olhos carentes da cidade, agitava se distante um Brasil em transformação rápida. E nos novos papéis econômicos emergentes, o Amazonas não encontraria maneira de atuar: era um quintal abandonado. Quando o governo de Rego Monteiro caiu, veio à tona todo o constrangimento dessa situação inesperada. Sem um lugar definido dentro da sociedade nacional que agora transformava se em única alternativa, o Estado entrava em letargia. Se o tenente Ribeiro Júnior pretendia inaugurar no afastado Amazonas a avalanche de mudanças que estava tirando o País do atoleiro latifundiário, abrindo as portas para novas manobras do imperialismo, o Amazonas mantinha se verdadeiramente à margem e tomava o golpe como uma solução desesperada. O movimento tenentista limpava o País dos ranças da Velha República positivista, das ideologias de sacristia e punha incertezas nos bastiões conservadores. Mas o Amazonas, com seu processo semifeudal estagnado, não podendo concorrer com as manobras do mercado internacional, contra os seringais racionalizados, entrou em colapso e ficou perseguindo o sonho do extrativismo.
A mais dolorosa melancolia: ter de refletir de maneira opaca a luta da burguesia brasileira pelo poder, quando somente sabia refletir os contornos culturais europeus para o consumo colonial. Esta defasagem constante e tão característica da experiência amazonense sempre ofereceu amargos frutos. Ontem, como hoje, nossas elites não acordaram do delírio da Zona Franca. Nossa representação política é medíocre e comprometida demais para tentar uma aliança, mesmo precária, com as classes hegemônicas no poder. Como em 1929 e em 1964 funcionamos com uma biruta de aeroporto antigo, batidos pelos ventos dos interesses das coalisões partidárias, de preferência em simbiose com os fisiológicos e reacionários, vamos seguindo como um gigante mendigo que empenha suas reservas naturais para não morrer de inanição.
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