Escrever sobre fotografias é um pouco como profetizar sobre o passado. As imagens já materializaram um instante e tudo que há a fazer é seguir o olhar do fotógrafo …
… Assim; qual a graça de uma explicação? No entanto, a tentação é grande. Nada mais agradável do que folhear um álbum de fotografias, de perscrutar a superfície de uma imagem como se uma linguagem tivesse se posto a falar por conta própria. A fotografia, irmã siamesa do cinema, é filha da tecnologia e exemplo da era da reprodução. Talvez por isso aparente autonomia em relação ao significante, simule um deslocamento para que não seja espelhismo puro, estenda seu corpo feito de massas de luz aprisionada em qufrniea para além do simples instantâneo. O certo é que a fotografia carrega sua aura mágica porque faz um registro inquietante do tempo, o que particularmente horrorizava os antigos, que viam nisso um sinal de que também suas almas estavam ali sequestradas para sempre. Habituados que estamos aos constantes simulacros armados por nossa civilização fundamentada em imagens e que reverencia as palavras, mas nelas não confia, a fotografia nunca nos causou horror. Ao contrário, a técnica fotográfica é uma decorrência natural tanto do processo científico do Ocidente quanto de sua escatologia. Mas se a fotografia fascina desde a raiz da civilização ocidental, permanece de qualquer modo o resguardo que as outras culturas guardam em relação ‘à imagem.
Este é o caso da Amazônia, onde há uma nítida fronteira entre a civilização da imagem e as civilizações das palavras ritualizadas. Em tal contexto, a fotografia quase sempre tem marcado sua presença através de instantes roubados, de ações receosas e precipitadas. Este é o mal das regiões onde o choque de civilizações se tornou uma espécie de coração ulcerado.
Mas isto é tudo o que se pode dizer na fotografia na Amazônia? Quando os fotógrafos começaram a se apropriar da região Amazônica através da técnica, já no final do século XIX, a fotografia era uma estilística, um ritual de fixação que permitia também às culturas do verbo aceitar a nova forma de expressão e registro sem se sentirem intrusas. Mais tarde, quando a fotografia passou a seguir a tendência geral da reflexão e mostrou-se disposta a refletir sobre si mesma, os fotógrafos da Amazônia puderam escapar do tópico e olharam o mundo sem os contornos da negatividade. t o caso de Sebastião Salgado. Este filho do sertão de Minas Gerais, parte central do Brasil e berço da formação nacional, Sebastião Salgado tem – a mais improvável das biografias, para, o grande artista da imagem no qual se transformou. Estuda economia, especializa-se nos Estados Unidos e vai trabalhar’ nos Ministério das Finanças brasileiro, onde tinha tudo para se tornar um dos pruxos econômicos, membro dessa pequena confraria de manipuladores de equações matemáticas e completa miopia política e humanística, formuladores de modelos econômicos teoricamente perfeitos e que, na prática, revelam-se verdadeiras fábricas de miséria. No começo da década de 70 quando o Brasil sofria uma das mais brutais ditaduras militares, Salgado abandona corajosamente o nicho dos economistas e vai trabalhar como repórter fotográfico. O raciocínio que Marx chamava de cálculo gelado, típico dos economistas, transmuda-se num olhar de compaixão e, ao mesmo tempo, de total surpresa com as desigualdades do mundo, revelando uma sensibilidade crispada em preto e branco, que provocou impacto ao voltar suas lentes para o mundo da seca africana no Sahel, ou na tristeza profundamente solitária dos trabalhadores imigrantes na Europa.
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