Desde o fim do século 19, a sociedade brasileira vinha sofrendo um processo de adaptação aos sistemas institucionais tomados da moderna civilização ocidental. Este trabalho de reproduzir a ordem econômica interna, numa cópia das nações avançadas, provocava crescentes fracionamentos no poder. Durante o “ciclo da borracha”, esse processo tolhia-se pelos nexos de dependência com a velha ordem senhorial herdada da colônia, que já tinha um espírito capitalista voltado para a exportação, mas não podia contar com o mercado interno. A estrutura social da exploração da borracha integrava-se suavemente a esta condição ruralizada do capitalismo, e nunca se mostrou anacrônica. Quando veio a depressão, o “setor novo”, da sociedade nacional, que havia suportado as manobras sob fortes pressões morais e psicológicas, recebia o sangue novo do mercado interno criado pela crise internacional do capitalismo durante a 1ª Guerra Mundial. Justamente na década de 20, depois de Epitácio Pessoa, o Governo Federal, que se mantivera sempre surdo aos apelos de industrialização, é obrigado a rever suas posições e reconhecer a realidade industrial. O coronel amazonense, que já estava despojado de seu domínio, descobre-se uma anomalia econômica em 1920. E nos novos papéis econômicos emergentes, o Amazonas não encontraria maneira de atuar: era um quintal abandonado. Quando o governo de Rego Monteiro caiu, veio à tona todo o constrangimento dessa situação inesperada. Sem um lugar definido dentro da sociedade nacional que agora transformava-se em única alternativa, o Estado entrava em letargia. Se o tenente Ribeiro Júnior pretendia inaugurar no afastado Amazonas a avalanche de mudanças que estava tirando o País do atoleiro latifundiário, abrindo as portas para novas manobras do imperialismo, o Amazonas mantinha-se verdadeiramente à margem e tomava o golpe como uma solução desesperada. O movimento tenentista limpava o País dos ranços da velha república positivista, das ideologias de sacristia e punha incertezas nos bastiões conservadores. Mas o Amazonas, com seu processo semifeudal estagnado, não podendo concorrer com as manobras do mercado internacional, contra os seringais racionalizados, entrou em colapso e ficou perseguindo o sonho do extrativismo. A mais dolorosa melancolia: ter de refletir de maneira opaca a luta da burguesia brasileira pelo poder, quando somente sabia refletir os contornos culturais europeus para o consumo colonial. Enquanto o Sul amadurecia, promovendo a economia competitiva, inicialmente de uma maneira tímida, e depois com rápidas mudanças, num processo que se completaria em 1930, os amazonenses viviam mergulhados no delírio da monocultura, com uma estrutura tão antiga que só por um milagre de mau gosto pôde se manter durante trinta anos. Esta defasagem constante e tão característica da experiência amazônica oferecia amargos frutos. Quando os coronéis acordaram do delírio e tentaram uma aliança, mesmo precária, com as classes hegemônicas no poder, sentiram que o panorama era outro e exigia funções novas para o extrativismo. E falharam. É tragicamente engraçado como as elites atuais estão repetindo o mesmo erro ao acreditar que o modelo Zona Franca é o caminho para o futuro do Amazonas. O terrível é que esse modelo já nos tornou periferia da periferia.