Uma vez pensei em escrever uma enciclopédia do subdesenvolvimento. Acabei desistindo. O tema era interminável e repulsivo. Foi o filósofo romeno Cioram que disse que alguns se comprazem tanto com sua própria miséria que tornam a miséria irrelevante, se é que estou citando corretamente o grande filósofo do pessimismo.
Sim, porque para muitos o subdesenvolvimento é sempre uma causa externa, as vítimas do subdesenvolvimento são as vítimas perfeitas e a culpa do próprio subdesenvolvimento é do outro, um destino manifesto às avessas. Como no célebre ensaio de Eduardo Galeano, “As Veias Abertas da América Latina”. Neste livro de grande sucesso, a histórica submissão da América Latina é fenômeno a despeito desse próprio subcontinente. Ninguém assume o quanto colaboraram para o subdesenvolvimento deste pedaço sofrido do planeta. No começo foram os colonialismos espanhol e português, depois o imperialismo inglês e finalmente o neocolonialismo dos Estados Unidos, mas há um planejado esquecimento de como esses poderes vieram a exercer suas dominações sem nenhuma resistência ou oposição efetiva.
Todo mundo se exime e aponta para a outra direção. Nada de políticos poltrões e antinacionais, nada da classe média embevecida pela perfeição social que parece só existir nos países mais ricos, nada do povo levantar a cabeça e articular sua revolta. Foram os pensadores franceses que inventaram o termo América Latina, mais tarde criando outro ainda mais ofensivo: Terceiro Mundo. Aliás, existindo um terceiro mundo e sempre ignorando o segundo mundo, as elites latino-americanas adoram comparar o que é bom e bem organizado como coisa de Primeiro Mundo. Isto é típico subdesenvolvimento. Mas os sintomas invisíveis do subdesenvolvimento estão em muitos lugares. Observemos alguns dos verbetes da malograda enciclopédia:
ESCOLARIDADE: Os países subdesenvolvidos ostentam os mais baixos índices de escolaridade. Manaus é um exemplo. Embora a oferta de escolas municipais, estaduais e federais atendam os padrões nacionais, ao ponto de encontrarmos na periferia da cidade quadras com três a quatro escolas, a maioria da população não consegue ler e entender um jornal e até mesmo os noticiário televisivos são ininteligíveis para muitos. A própria arquitetura das escolas convida à ignorância, pois quase todas não possuem um auditório ou um teatro e raras as que mantém organizada a sua biblioteca. O que há de mais evidente e espaçoso é o refeitório, como se a função das escolas fosse oferecer comida. Certas gestoras (agora não temos mais diretoras) dizem que um professor pode faltar um mês que ninguém reclama, mas se não tiver comida, uma turba enlouquecida tenta linchar a responsável. O sistema educacional se preocupa em fornecer comida (que é um grande negócio), mas paga salário de fome aos professores. Por isso que enquanto os Estados Unidos aplicam 3% de seu PIB para educação e alguns países europeus cerca de 1,5% incluindo Portugal, a Pátria Educadora faz cortes no setor. Isto é subdesenvolvimento.
MOTOTAXIS: Nenhum país decente permite que motocicletas sejam usadas para fins comerciais, muito menos com parte do modal de transporte coletivo.
Motocicleta é veículo de alto risco. Em países que se levam a sério, motocicleta é para uso esportivo, e na compra desses veículos é obrigatório a aquisição de um seguro contra acidentes para evitar onerar os sistemas públicos de saúde, O governo federal, ao não investir no transporte coletivo e entregar o sistema a verdadeiras quadrilhas, jogou a classe média no automóvel e os jovens pobres nas motocicletas. Provavelmente uma forma de eliminar a pobreza sem elevar a mortalidade infantil. Isto é subdesenvolvimento.
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