Manaus, 1 de julho de 2025

A Babel Encantada de biscuit e feltro

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Acontece que o Elefante Branco, com a ponta da tromba quebrada,estava caído de lado, aos pés da Malévola, a portentosa. Ela, olhosverdes e duros, capuz amarelo e preto, capa preta e carmim,carnudos e encarnados lábios, era a visão representativa dosencantados. A fada, se percebia aquele desengonçado súdito aosseus mágicos pés, não deixava transparecer algum sinal deconhecimento. Mantinha incorruptível sua postura de madrinhaprodigiosa.

O Anjinho Nu, de cacheados louros que escorriam como duchasdouradas sobre os ombros, segurava um luminoso girassol amarelopara ocultar as partes pudendas. Mirava com olhar apaixonado nadireção do Casal de Noivos, abraçadinhos, vestidos a caráter,prontos para a se entregarem em definitivo consórcio. Completavaessa cena, o desinibido Cupido, munido de arco e flecha e a cara deI loveyou, e a irônica Cabeça Sem Corpo do Lobo Mau, dando línguaem direção aos nubentes.

Ali próximo, a rosada e ingênua PeppaPig, com uma falsa fenda nascostas fazendo às vezes de cofrinho, implicava, com sua risada deroncos, o intrigante Papai Noel, com o saco cheio pelas longasesperas de natais, durante os séculos dos séculos.

Enquanto isso, o fofinho Kuala Marrom, com seu negro nariz deêmbolo, se bandeava para a altiva Galinha Pintadinha, lembrança dePorto de Galinhas, e o solitário Sapatinho de Cristal róseotransparente, made in Taiwan, à espera de quem o calçasse,tricotava com o galante Sapinho Verde, de produção caseira, osolhões esbugalhados, saltando de um lado para o outro, comoantenas fofoqueiras à procura das novidades do mundo, eminterromper a trela para o fetiche erótico.

Ao fundo e dividindo o reino ao meio – digo, dividindo a prateleira aomeio – o frágil e cristalino Cilindro de Sal Grosso, com seu conteúdosódico vindo do Himalaia, do alto de sua potência protetora de umapolegada de diâmetro por um palmo de comprimento, blindava o

mundo inanimado de biscuit e feltro. O quê? Alguém falou mundoinanimado? Como assim inanimado? Aquele reino de prateleirapossuía vida própria, nunca dantes imaginada. Pois, falando por mim,só me dei conta disso, hoje de manhã, quando fui fazer a faxina no meu escritório, montado em casa.

Arrumar minhas coisas, em tempos de home office, agora fazia partedas minhas obrigações domésticas. A moça da faxina, na suacondição de criatura real de carne e osso, fora dispensada por contado distanciamento social, recomendada pelas autoridades sanitárias.A limpeza do lar-doce-lar precisava ser feita… pelos habitantes dacasa. Cada um responsável pelos seus respectivos domíniosparticulares, e todos, em mutirão, nas áreas coletivas.

Hum? A Bruxinha Boa exibia o cartaz com a inscrição, bem apropósito para o momento, “sem stress”, e a personagem da idadeda pedra, que não consegui identificar, mas totalmente ancestral comsua cara de porco-espinho, levantava o estandarte da solidariedadecom os sugestivos dizeres “uma amiga não oferece a mão… estendeas duas!”.

A Catedral de Brasília, boa presença nesses tempos de recolhimentoe oração, em sua grandiosidade, guardava certa distância damajestosa Mesquita de Istambul. Ambas enviando bons eflúviossobre aquela Babel Desvairada. Cenário que contava com amagnitude duplicada de Duas Torres Eiffel – pois uma só seriainsignificante nesse universo de mirantes sagrados. E também, nãomenos respeitosa, ali estava a serenidade da Arvorezinha de

Quartzo, incrustadas de centenas de pedrinhas matizadas, vindosabe-se lá de que recanto da terra, e sabe-se lá com queinescrutáveis poderes. Hum! Quem eu sou para dizer o contrário, pois não?

O Bebê Comportado, sentadinho, fazendo gu-gu, segurava a própriamamadeira e não tirava os olhos da encantadora Gatinha Japonesa,da espécie rabisco de Mangá, toda lânguida, fazendo miau-miau parao marinheiro Pato Donald, que respondia desdenhosamente com seu rouquenho quá-quá.

A Borboleta Monarca, essa, a maior naquele mundo de miniaturas,aparentava leveza e alçava seu voo real com inestimável maestria,transportando sobre suas asas de Arco-íris, a Minnie Asiática e oPernalonga Australiano, que se divertiam morrendo de rir com alouca aventura.

Na ala do reino pertencente aos chaveirinhos, um Par de Anjinhos,sendo, o Pixaim, sustentando o globo terrestre no colo, e o Ruivo,com um gorro de pícaro, convidando a tomar “tea”, na Casinha deMetal Prateada, situada no meio do jardim. Nessa casa de chá, oTamanduá Verde, servia como garçom, e a Garota Rechonchuda,como recepcionista. Ele com uma taça na mão. Ela desfraldando olenço branco “lembrança de Ouro Preto”.

Tomar tea? Ora, por que não? Não faça cerimônia. Pode ser tea oucoffee ou chocolate ou juice. Dá gosto tomar alguma coisa e tirar umaboa prosa com essa babel encantada de biscuit e feltro.

Por fim, devo esclarecer que o meu home office, foi um cômodoadaptado, no qual, antes, minha filha Bel guardava suas coisas. Ababel de miniaturas era dela. Por que era dela? Porque, com a faxinade hoje, aquele mundo de biscuit e feltro foi parar noutro reino

encantado, digo, numa caixa parecida com aquela de proteger ocarneirinho do Pequeno Príncipe, aguardando melhor destino,espero.

*Amazonense de Itacoatiara. Advogado. Compositor premiado inúmeras vezes no FECANI e no CONPOFAI. Escritor platonista.

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