Manaus, 9 de novembro de 2024

O Município de Itaquatiara

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*Mario Ypiranga Monteiro

Continuação…

A Vila

Somente em 1857 é que Serpa readquire a predicação de vila, por força da Lei n.º 74, de 10 de dezembro, sendo inaugurada a 24 de junho de 1858, pelo presidente da Câmara Municipal de Silves.

Lei n.° 74 de 10 de dezembro de 1857.

Eleva a Freguesia de Serpa à categoria de Vila com a mesma denominação, que ora tem.

Francisco José Furtado, Presidente da Provincia do

Amazonas, &.

Faço saber à todos os seus habitantes que a Assembleia

Legislativa Provincial Decretou, e eu sancionei a Lei seguinte:

Art. 1.º Fica elevada à categoria de Vila com a denominação que ora tem, a Freguesia de Serpa, e autorizado o Governo a marcar os limites.

Art. 2.º Ficam revogadas as disposições em contrário.

Mando portanto a todas as Autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida Lei pertencer que a cumpram e façam cumprir tão inteiramente como nela se contem, O Secretário da Provincia a faça imprimir, publicar, e correr Dada no Palácio do Governo da Província do Amazonas, aos dez dias do mês de Dezembro de 1857, 36 da Independência e do Império.

Francisco José Furtado

Sebastião de Melo Bacuri, a fez.

Nesta Secretaria do Governo da Provincia do Amazonas foi a presente Lei selada e publicada aos 10 dias do mês de Dezembro de 1857.

Agostinho Rodrigues de Sousa.

Registrada a fl. 94 do Livro 1.º de registro das leis Provinciais. Secretaria do Governo da Provincia do Amazonas, 10 de dezembro de 1857.

O Amanuense.

Sebastião de Melo Bacuri.

Foram eleitos para dirigir o novo município os vereadores Manuel Joaquim da Costa Pinheiro, Antônio José Serudo Martins, o herói da noite de 31 de junho de 1865, Damaso de Sousa Barriga, Agostinho Domingos de Carvalho, Raimundo Candido Ferraz (ou Raimundo Carlos Ferraz, então subdelegado quando da invasão da vila pelos desordeiros?), João da Cruz Pinheiro e Manuel Porfirio Salgado. A lei de 25 de outubro de 1859 marcou os limites regulares do município, por onde se sabe que se limitava com o de Manaus,

na citada foz do Arumá, á Leste limita com a Freguesia de Silves na ilha Pomaná, de onde correrá a linha á foz do rio Anibá, seguindo pelo rio Albú, até a sua foz pouco acima de Serpa. Da mesma ilha Pomaná correrá a linha até o lago do Arrozal inclusive, limitando ahi com a Freguesia de Maués da Comarca de Parintins; e com Canumá na comarca da Capital no logar de Urucurituba na margem esquerda do rio Madeira, cuja margem e logar ficão pertencendo a Serpa. / A Freguesia de Silves limita com Serpa na ilha Pomana e linha que já vímos descripta, e com a Villa Bella da Imperatriz na ilha das Onças; aqui finda a Comarca e Termo da Capital.99

Esses limites foram alterados continuamente, e às vezes até de modo arbitrário, com real prejuízo para as partes. Os novos limites não foram recebidos com muita alegria. Na época, o presidente da Província, Dr. Manuel Gomes Correia de Miranda, que assinou a lei n.º78, de 2 de janeiro de 1858, de conformidade com a lei n.º 92, de 6 de novembro do mesmo ano, expediu o ofício n.º 152, de 25 de outubro de 1859, mandando que as Comarcas, Termos e Freguesias da Província se dividão ecclesiasticamente do modo seguinte (seguem os limites acima dados). Houve um padre, Daniel Pedro Marques de Oliveira, então pároco colado de Silves, que ao receber o oficio e cópia da lei acima referida, por intermédio do então vigário geral da província, cônego Joaquim Gonçalves de Azevedo, que exercia concomitantemente as funções de vice-presidente da província, respondeu da seguinte maneira:

III. mo e Rvm. Snr. – Em resposta ao officio de V. S. de 9 de Dezembro ultimo, enviando-me incluso o impresso que contém a resolução da Presidencia de 25 de Outubro do anno proximo passado, acerca da divisão Civil e Ecclesiastica desta Freguesia, e recomendando-me que no caso de acha-la contraria a comodidade do pasto espiritual dos meos fregueses dirija a V. S. as minhas observações. cumpre-me chamar com todo o respeito a illustrada attenção de V. S. sobre graves inconvenientes, que ao povo de Silves traz a demarcação constante da supracitada Resolução.

Há um seculo, Rvm. Snr., que esta Paróquia mança e pacificamente tem fruído a posse dos terrenos que com justiça julga lhe pertencerem, e que ora lhes são tirados por esta nova demarcação. Sim desde 1759 em que pelo Governador Joaquim de Mello e Povoas, foi erecta esta Villa, que sempre, como é notório, teve por limites com a de Serpa a foz do paraná-miry de Serpa, ou vulgarmente o furo de Canassary, e tão justa e razoável era esta demarcação, que não só o actual Exm. Snr. Primeiro Vice-Presidente assim o reconheceo, como tambem a Camara Municipal dessa Capital a quem ele se dignou ouvir quando esta Freguesia em virtude da resolução Provincial n.° 4 de 21 de Outubro de 1852 reassumio sua antiga categoria de Villa, tanto que S. Ex, auctorisado então pela mesma Resolução a demarcar-lhe seos limites, ordenou que fosse conservada essa antiga demarcação como exhuberantemente se comprova pela resolução de S. Ex. de 3 de Janeiro de 1853,

Esta nova demarcação não pode certamente deixar de comprometter os mais preciosos direitos e comodidade dos meus parochianos, porque como é sabido, a elevada ilha de terra firme em que está collocada a Villa de Silves acha-se quase a oéste da ilha de Ponumá ou Ponaná, a qual em linha recta nem talvez duas leguas dista desta Freguezia; e que a foz do rio Anibá também está quase a oéste da ilha de Punumá, isto é, por detraz desta Freguezia; por conseguinte a linha lançada, segundo a resolução, de léste, isto é, do Punumá a foz do Anibá (oeste) corta inevitavelmente parte do terreno da ilha em que está plantada a Freguezia, e Villa de Silves.

– Tambem não pode, Rvm. Snr., sem clamorosa injustiça pertencer á Serpa os lugares denominados arrozal e tabocal (sic), por isso que fição elles muito proximos, e ao lado, isto é, ao sul desta Villa, tanto assim, que se por ventura a linha que de conformidade com a resolução deve correr de Punumá até o arrosál inclusive se entendesse em direcção á parte septentrional mutilava nem menos da metade da ilha em que está situada esta Freguezia, que nesse caso ficaria quase toda pertencendo á Villa de Serpa.

Do que levo dito baseado nas informações de pessoas antigas e cordatas desta localidade, e no conhecimento que della tenho adquirido durante quasi seis annos; já vê V. S. quão inconveniente é a demarcação da Resolução de 25 de Outubro do anno proximo findo, a qual sob qualquer aspecto, por que seja encaradas, se os inconvenientes como que de xofre sobresahem ás minhas vistas.

– V. S. sabe melhor do que eu que o povo naturalmente muito aprecia a sua commodidade, máxime quando esta é conducente á conservação da sua segurança individual, e de propriedade, e que, rebus sic stantibus, esses quase dois mil habitantes que para Serpa forão tirados de Silves, para onde muito bem podem vir em menos de seis horas de viagem, e por furos que é muito mais suave, não quererão, e com rasão, transportar-se á Serpa com uma derrota inquestionavelmente muito mais prolongada,

encommodativa, e cercada de graves perigos, que como é proverbial correm todos aquelles, que em pequenas igaritéis ou montarias sulcão as aguas do Amazonas,

Nestas circunstancias buscarão os Sacramentos onde lhes é mais commodo e fácil recebe-los, e onde durante um seculo seos avós forão baptisados e enterrados, e onde elles tambem sempre receberão o pasto espiritual.

Dadas pois estas hypotheses que me parecem de mui fácil realização, o Vigario de Silves como é logico, tem de luctar com terriveis embaraços no exercicio de seo ministerio, porque ou lhes negará os Sacramentos com grave escandalo e prejuiso da Salvação eterna das suas almas a fim de evitar a nulidade dos seos actos, ou então ministrando-lhes era alem disso germinar conflitos de jurisdição ordinariamente desagradáveis e escandalosos principalmente entre Sacerdotes.

Eis aqui, Rvm. Snr., as minhas humildes reflexões, que é impulsos não do espirito de ambição ou intenção de offender a integridade do digno, e illustrado varão que actualmente governa está Provincia, o qual attneta a imperfeição inherente á todas as causas humanas podia enganar-se, ou mesmo não ter sido cabalmente informado acerca dos pontos dos limites desta Freguezia; mas á impulsos dos dictames das minhas convicções ouso submeter a V. S.” para que se digne levar á consideração do corpo Legislativo da Provincia, que conhecendo os inconvenientes desta demarcação, e a rasão que assiste aos meos fregueses não deixará de fazer-nos justiça, reintegrando a Silves esses logares, dos quaes a cem annos tem estado pacifica e legalmente empossado.

-Deos Guarde a V. S. Silves 26 de Janeiro de 1860. – Illm. e Rvm. Snr. Conego Joaquim Gonçalves de Azevedo, Vigario Geral da Provincia do Amazonas. – Daniel Pedro Marques d’Oliveira, Parocho collado de Silves.100

Que o padre Daniel possuía lábia e também muita audácia, diz uma página dos Relatórios da Presidência da Província do Amazonas, volume 2.0, páginas 220-221:

Tendo recebido pelo vapor de Janeiro uma violenta representação assinada por alguns cidadãos de Silves, entre os quaes o Vigário Padre Daniel Pedro Marques d’Oliveira, contra aquele empregado (trata-se de um atentado contra o subdelegado de Silves, ocorrido na noite de 8 de janeiro de 1859), e seu primeiro suplente, e ao mesmo tempo um ofício do Subdelegado comunicando que o Alferes Fideles Alves da Costa comandante interino da Companhia da Guarda Nacional, instigado pelo Vigário, promovia a indisciplina da Guarda Nacional, e a desobediência da população fazendo crer entre outras cousas que o dito Subdelegado havia contratado com o Governo a venda de 60 habitantes de Silves para o recrutamento, fiz no mesmo vapor embarcar o Chefe de Polícia acompanhado de dez praças e um oficial de primeira linha para averiguar dos fatos, e proceder contra os que achasse em culpa, autirizando-o a demitir o Subdelegado e seu Suplente, se por ventura fossem verdadeiras as imputações, que lhe eram feitas. / A 11 chegou ali o Chefe de Polícia; porem na noite de 8 havia sido espancado á traição o Subdelegado. / Segundo as informações daquele honrado e integro Magistrado nada encontrou contra o Subdelegado e seu Suplente; sendo que todos os signatários da representação, a quem pode interrogar, declararam que a haviam assinado uns por condescendência, outros por ameaças do Vigário e Alferes Fideles. E procedendo a sumário pelo crime, de que fora vítima o Subdelegado, pronunciou como mandantes o Alferes Fideles e Vigário Daniel, e mandatário um dos discípulos deste, e os trouxe presos para esta Cidade. O referido Vigário foi também pronunciado pelo chibateamento de José Raimundo havido em 20 de maio do ano passado.

_________________

99 JOBIM. Manuel Anísio, Op. cit., p. 13.

100 JOBIM, Manuel Anisio, Op. cit., p. 13.

Continua na próxima edição…

*Mário Ypiranga Monteiro (1909-2004). Amazonense de Manaus, historiador, folclorista, geógrafo, professor jornalista e escritor. Pesquisador do INPA, membro da Academia Amazonense de Letras e do Instituto Geográfico e Histórico do Amazonas. É o autor que mais escreveu livros sobre História do Amazonas, com quase 50 títulos.

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