Dia de São João. As festas juninas são lembranças gostosas da minha infância. Literalmente gostosas como são as comidas dessa época.
As festas, as fogueiras e o boi. Não havia para nós meninos daqui de Manaus, o Festival de Parintins. Mas havia boi bumbá. Diferente das apresentações de hoje. Mais parecido com as tradições do boi do Maranhão, eu presumo. Havia o Corre Campo, Tira Prosa e o Caprichoso da Praça 14.
As famílias costumavam “contratar” um boi para se apresentar na frente das residências. Era São João e meu pai contratou o Corre Campo. Eu passei o dia ansioso para ver a apresentação. Foi na rua mesmo. Em frente á nossa casa. Nem precisou interromper o trânsito. Não havia trânsito na Henrique Martins do início dos anos de 1960.
Quando o pessoal do boi chegou, meu coração batia forte. As bandeirinhas de sempre, feitas com capricho, eram coloridas e de papel de seda. Enfeitavam o pátio da casa e ainda cruzavam a rua, amarradas nos postes de luz. Foi-nos autorizado a fazer uma pequena fogueira no pátio externo da casa. Uma exceção. As fogueiras só eram permitidas no enorme quintal da casa de nossa avó.
E então o boi chegou. Na apresentação conta-se a história de Pai Francisco e Catirina. Quando grávida, Catirina deseja comer a língua de um boi. Pai Francisco, buscando satisfazer o desejo da esposa, mata o boi mais bonito da fazenda. Ao saber, o fazendeiro manda prender Francisco. Ato contínuo busca a ajuda de um pajé para ressuscitá-lo. A festa do Bumba Meu Boi celebra a ressurreição do boi, com música, dança e tudo mais. O festival de hoje enfatiza a festa. Mas aquela história da mulher grávida desejar comer LINGUA DE BOI, impressionou por demais aquele menino de calças curtas que hoje vos escreve.
Eu gosto muito de tambaqui, pirarucu, pescada e sardinha, especialmente bem ticada e bem frita. Mas não gosto de pacu.
No jantar daquela noite havia duas opções. Caldeirada de pacu e uma carne estranha, ao molho madeira. Perguntei logo:
– O que é isso? No que Darinha, nossa babá e cozinheira, respondeu:
É língua. De boi? Perguntei eu. Entre espantado e curioso. Sim. Aquilo era língua de boi! Nesse dia comi pacu sem reclamar. Só me lembrava da Catirina atormentando Pai Francisco com desejo de comer língua. Não gosto de língua até hoje. Nem de pacu. Mas preferi comer pacu. Viva Santo Antônio, São Pedro e São João. Viva Boi Bumbá! Língua de boi, não!
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