Manaus, 21 de junho de 2025

‘Mártires’ da literatura

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Vivíamos então os tempos discricionários da Ditadura Civil Militar. E como todo regime ditatorial suas ações pendiam entre a truculência e o ridículo. Aqui em Manaus a implantação do regime de 1964 trafegava entre o burlesco e o tragicômico. Em 1976 meu amigo Joaquim Marinho era superintendente da então Fundação Cultural do Amazonas, na gestão do governador Henoch Reis. Na época, a Fundação Cultural tinha as funções de uma Secretaria de Cultura. Marinho, entre um rico e diversificado conjunto de ações culturais teve a ideia de editar livros de baixo custo, em papel jornal, para ampliar a circulação das obras de autores amazonenses entre os leitores da cidade. Eu tinha na gaveta um romance pronto, mas não havia ainda me decidido a procurar um editor. Uma das poucas pessoas que tinha lido era o Nivaldo Santiago e vaticinara que o livro faria muito sucesso, mas achei que aquilo era bondade provocada pela amizade. A ideia do Joaquim era lançar um livro de cada gênero, e ele já estava com originais de contos, crônicas, poesia e teatro, mas faltava um romance. Sabendo do meu livro, Joaquim Marinho me cercou de tal forma que acabei entregando os originais. E no dia 5 de setembro de 1976, à sombra do mulateiro da Praça da Polícia, sede do Clube da Madrugada, foram lançados os livros de Ediney Azancoth, Aldísio Filgueiras, Arthur Engrácio, Farias de Carvalho.Iorge Tufik e o meu romance, “Galvez, Imperador do Acre”. O lançamento foi um sucesso, mas eu já havia advertido o Marinho que não queria nenhum exemplarem minha casa. É que minha experiência anterior, com o livro de ensaios cinematográfico, “O Mostrador de Sombras”, tinha sido um tanto assustadora. Uma pilha de caixas com parte dos mil exemplares foi parar na sala de visitas da casa de meus pais, causando um mal estar doméstico e uma constatação pessoal frustrante. De início não me importei com as caixas, pois achava que logo me veria livre daqueles livros, distribuindo aos amigos. O problema é que logo descobrimos que não temos mil amigos, que nossa popularidade é bem menor que a nossa própria vaidade. Por isso os exemplares do “Galvez, Imperador do Acre” foram guardados nas dependências da Fundação Cultural, mas não esquentaram o lugar. Em menos de duas semanas a edição esgotou. O sucesso poderia nos ter dado muitas alegrias, mas o Conselho Estadual de Cultura considerou o livro ofensivo às tradições amazonenses e Joaquim Marinho foi sumariamente demitido do cargo. No ano seguinte, 1977, a editora Alfa & Ômega, de São Paulo, publica o meu ensaio “A Expressão Amazonense”, também com grande repercussão de crítica e de vendas. Então foi a vez da Assembleia Legislativa do Amazonas mostrar serviço aos militares, como já havia vergonhosamente feito ao cassar o mandato do deputado Arlindo Porto. Um dos sabujos da Arena, partido da Ditadura, levou ao plenário a proposta de cassação de minha naturalidade de amazonense. Faça-se justiça a dois nomes que levantaram a voz contra tamanha demonstração de abjeta subserviência e estupidez: Beth Azize e Farias de Carvalho. Esses dois protagonizaram um dos mais luminosos momentos de nossa história política enfrentando o obscurantismo vigente na época, sendo que coube à deputada Beth Azize afirmar que nenhum poder tinha a autoridade para cassar a naturalidade de amazonense. O poder discricionário podia cassar a nacionalidade e transformar um cidadão em apátrida, mas um amazonense nascia amazonense e morria amazonense, era um direito inalienável. “Galvez, Imperador do Acre” já vendeu mais de um milhão de exemplares e está entre os 50 mais importantes romances da literatura brasileira. “A Expressão Amazonense” faz parte da bibliografia de muitos cursos universitários, e pelo que consta tem influenciado na formação de um pensamento crítico em nosso Estado.

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