Manaus, 7 de setembro de 2024

A cultura da selva

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Quando os europeus chegaram, no século XVI, a Amazônia era habitada por um conjunto de sociedades hierarquizadas, de alta densidade demográfica, que ocupavam o solo com povoações em escala urbana, possuíam sistema intensivo de produção de ferramentas e cerâmicas, agricultura diversificada, uma cultura de rituais e ideologia vinculadas a um sistema político centralizado e uma sociedade fortemente estratificada. Essas sociedades foram derrotadas pelos conquistadores, e seus remanescentes foram obrigados a buscar a resistência, o isolamento ou a subserviência. O que havia sido construído em pouco menos de dez mil anos foi aniquilado em menos de cem anos, soterrado em pouco mais de 250 anos e negado em quase meio milênio de terror e morte.

Foi durante os milênios que antecederam a chegada dos europeus que os povos da Amazônia desenvolveram o padrão cultural denominado de Cultura da Selva Tropical. A Amazônia, como bem indicam os artefatos arqueológicos encontrados na região, nunca foi habitada por outra cultura que não essa. A Cultura da a Tropical é um exemplo do sucesso adaptativo das populações amazônicas, assim como o são os Padrões Andino e Caribenho de Cultura em seus respectivos nichos ambientais.

Já tivemos a oportunidade de observar que velhos preconceitos, arraigados num extremo determinismo ambiental, procuraram emprestar à Cultura da Selva Tropical um certo primitivismo, um estágio de barbárie que fixava a Amazônia num patamar abaixo do Padrão Caribenho e muito distante do Padrão Andino. De tal forma esses preconceitos foram disseminados que até mesmo certos autores bem-intencionados acabaram sucumbindo a eles, ao tentar explicar a presença de populações complexas na região como fruto da migração ou influência dos Andes ou do Caribe. Os últimos avanços da arqueologia na Amazônia vêm corroborar a tese de que a Cultura da Selva Tropical foi capaz não apenas de formar sociedades perfeitamente integradas às condições ambientais, como também de estabelecer sociedades complexas e politicamente surpreendentes.

Assim, está provado que, ao chegar, os primeiros europeus encontraram sociedades compostas por comunidades populosas, com mais de mil habitantes, chefiadas por tuxauas com autoridade coercitiva e poder sobre muitos súditos e aldeias; técnicas de guerra sofisticadas; estruturas religiosas hierárquicas e divindades que eram simbolizadas por ídolos e mantidas em templos guardados por sacerdotes responsáveis pelo culto, uma economia com produção de excedente e trabalho baseado num sistema de protocolasses sociais.

Essas sociedades foram registradas nas diversas crônicas e relatos de espanhóis e portugueses que as contataram em suas primeiras viagens ao longo dos grandes rios. Tais sociedades, baseadas na economia do cultivo intensivo de tubérculos, floresceram por volta de 1500 d.C. e, por estarem localizadas nas margens do rio Amazonas e certos afluentes maiores, foram as primeiras a sofrer os efeitos do contato com os europeus, sendo derrotadas pelos aracabuzes, pela escravização, pelo cristianismo e pelas doenças. Mas a Cultura da Selva Tropical não se apresentava, em termos de evolução qualitativa, como uma coisa uniforme. Os povos da terra firme, os que viviam nas cabeceiras dos rios ou em terras menos férteis, mostravam-se mais modestos em comparação com as nações o rio Amazonas. Estes são os antecessores de todas as etnias que teimam em resistir em nosso país, considerados como entraves ao “progresso”, a despeito da retórica mistificadora que parece respeitá-los, de preferência extintos.

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