Poema recolhido da obra “Pedra Pintada (uma viagem à cidade da minha primeira infância)”, ainda inédita.
Um presunçoso varão
andava pela cidade
nas noites de viração,
não virava tartarugas
tal e qual na Ilha do Risco,
transvertia-se num bicho
na cidade adormecida
quando vinha a escuridão,
todo metido nos trinques
da camisa de algodão,
calças de brim HJ,
chapéu de massa elegante
um perfeito garanhão,
garboso no andar de macho
atrás das fêmeas de então,
nada lhe dava emoção,
nem no céu a lua cheia
nem estrelas no amplo céu,
só os grilos com seus trilos,
o vento cortando a noite
respirando assombração.
Ouviu então uma voz,
voz de mulher melindrosa
chamando pelo seu nome,
voz dengosa e doce, música
feminina que vibrava
nos seus ouvidos vaidosos,
mexeu-lhe nos sentimentos,
deixou-o que nem canoa
no Amazonas de bubuia,
sereno da meia-noite
molhando as ruas desertas,
na solidão dos silêncios
possuídos de desejos,
foi nos rumos dessa voz
que lhe lembrava um chamego
dos tempos de bem rapaz,
tanto que a perdeu de vista
pelas esquinas do mundo,
nos desvarios da vida.
Ela estava bem vestida
com seus berloques de prata,
igual quando aparecia
nas noites de serenata,
então ao olhar para ela
o pobre perdeu o tino,
caiu ao chão desmaiado
como num redemoinho,
e ao recobrar os sentidos
estava em casa pasmado,
quatro dias, quatro noites
ficou na rede deitado,
uma febre da moléstia
dominou-lhe o corpo todo,
nem emplastos de andiroba
azeite de copaíba
fizeram curar-lhe a febre,
ele estava como um morto,
até que tudo passou,
tudo fruto dessa asneira.
A mulher que ele encontrara
era uma bela caveira…