Manaus, 16 de setembro de 2024

Amazonas: a síndrome do Curupira

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O que, portanto, nossa generosidade pecuniária pode fazer pelo Amazonas? Tenhamos certeza, seja lá o que for, vai beneficiar também o resto do país, como temos feito historicamente. Desde o Ciclo da Borracha, quando o Brasil recebia da floresta o equivalente ao 45% de seu PIB e já rezava o Pai Nosso do jeito como sempre faz, só até a primeira estrofe. “Venha a nós o vosso Reino”, diria ao Curupira! Até quando?

Por que o Amazonas não consegue ajudar o Amazonas? Dito assim a pergunta parece sem nexo. Mas se recorrermos à mitologia da floresta, invocando um de seus mais populares personagens, o Curupira, ficará tudo mais fácil. O Curupira é o protetor das matas e dos seres vivos que nela habitam. Sua aparência chama a atenção por seus cabelos pintado de urucum e seus pés ao contrário – com os calcanhares para frente.

Por isso, alguém que costuma dizer que já o viu, facilmente entra em descrédito, pois ao andar pela floresta, suas pegadas conduzem ao lugar onde ele sempre não está. Uma esfinge às avessas, que precisa ser decifrada para ser compreendida e valorizada em suas atribuições. Qualquer coincidência é rigorosamente proposital.

No último Diálogos da Amazônia, apresentado pela Fundação Getúlio Vargas, dia 06.02.23, os debatedores – Jaime Benchimol e Luiz Augusto Rocha, empreendedores no segmento de energia e têxtil, respectivamente – contaram, sem usar a nomenclatura regional, porque a economia do Amazonas vive a síndrome do Curupira. Ambientalista, protetor da biodiversidade, mas atacado por todo lado, o Amazonas é incompreendido, individualista e com a pecha de privilegiado, por seus quase 8% dos incentivos dos gastos fiscais do Brasil, e sempre atormentado e às vésperas da própria remoção.

Em qualquer banzeiro fiscal, vira bode expiatório. E é este o único momento em que sai da toca, junta seus pares, põem as gravatas e, em comitiva, partem – de pires na mão para Brasília pedir a benção e comiseração.

Como tudo isso se repete há mais de meio século, e sempre resultam nos mesmos ovos, a continuidade da Zona Franca de Manaus, a galinha dos ovos de ouro do Brasil, precisa mudar sua mandinga de sobrevivência. Mudar a tática e inventar estratégias, com a consciência de que a ZFM produz muita riqueza, apesar da região ocupar o topo do ranking da pobreza nacional. Quem sabe descubramos a razão dessa proeza sinistra não ter fim…Vamos voltar aos Diálogos da FGV e reproduzir algumas das constatações e proposições dessa economia da monotonia. Quem quiser experimentar as cores e sabores do debate original, basta clicar no vídeo abaixo:

– Sim, a Zona Franca é do Brasil, não do Amazonas, pois o maior beneficiário é o caixa único do poder público que confisca 75% do que é apurado na economia da ZFM. A população brasileira, por sua vez, pode comprar os produtos Made in ZFM, de classe mundial e a preços acessíveis. E o povo do Amazonas, da Amazônia, como fica: ora, vive do jeito que a mídia consegue enxergar e traduzir, retratando o Curupira sem nunca se empenhar em decifrar seus enigmas.

– No último Diálogos da Amazônia, ficou demonstrado que nenhuma iniciativa no curto, médio e, se nada for feito, a longo prazo, será capaz de gerar 500 mil empregos, entre diretos e indiretos, e recolher tantos recursos para a máquina pública. A ZFM gerou US$32 bi no ano passado. Isso coloca o Amazonas entre os primeiros estados a carregar o Brasil nas costas. Quanto o Leão vai abocanhar e quanto vai sobrar para a população? E que atividade fabril/empresarial seria capaz de uma liquidez com essa envergadura?

– No âmbito estadual, a ZFM responde por 85% da movimentação da roda da economia e gera empregos e oportunidades por todo o país. Em suma, longe de ser uma Zona Franca, Manaus é o Baú da Felicidade da Receita Federal e da Fazenda Estadual, graças a capacidade instalada de seus trabalhadores e investidores para produzir dinheiro e alegrar governos.

E que vantagem o Curupira leva? É hora, pois, de voltar à pergunta inicial: Por que o Amazonas não consegue ajudar o Amazonas? Algumas perguntas aos navegantes.

– Por que os empreendedores da piscicultura sempre foram obrigados a pagar 22% de ICMS numa saca de milho que vem do Centro-Oeste, fora o frete? O INPA tem classificado em suas coleções mais de 3 mil espécies de peixe. Reproduzi-los em tanques naturais significa debelar a fome do mundo. Esse empate vesgo e obtuso se aplica à taxação das comunicações, transporte, energia, as mais caras do Brasil. Por que o custo de vida de Manaus é um 2º mais caro do país? As aberrações são muitas e contorna-las é ganha-ganha geral.

foto: Naldo Arruda/Creative Commons

– Por que, em trajes de Curupira, não vamos a Brasília exigir o que manda a Lei Maior do país quando autoriza menos de 8% dos incentivos que o Brasil utiliza: que seja aplicada na região a riqueza produzida por esta região. Ao menos parte dela?

– Por que não balizar as hidrovias se a logística fluvial é a mais barata e mais correta ambientalmente?

– Por que a bancada parlamentar da região não vai exigir contrapartidas prosaicas, elementares e fundamentais de quem recebe tantos recursos? Restaurar as duas únicas rodovias, em total estado de abandono?

– A última rodovia construída no Amazonas é de 1998, governo FHC. Eram necessárias à época 8 horas de carro entre Manaus a Boa Vista, hoje, quando os buracos permitem, são mais de 20 horas.  A penúltima rodovia a BR 319, é de 1976, governo militar. Maior parte do ano intransitável.

– Ah, mas a pressão internacional não permite estradas na floresta! Sonífero bovino. Conta outra. “O Amazonas que fique quieto, já tem a ZFM”. Além da miséria, claro. Quem vigia a BR174 são os indígenas WaimiriAtroari. E quem expulsa o garimpo ilegal não seriam as Forças Armadas, Guarda Nacional? Os grileiros também não podem ser enxotados?! Então não cola a prosopopéia ambientalista de impedir as estradas para evitar a extinção do mucuim. Proteger a floresta é sobretudo atribuir-lhe uma finalidade econômica e sustentável. Ou não?

O que, portanto, nossa generosidade pecuniária pode fazer pelo Amazonas? Tenhamos certeza, seja lá o que for, vai beneficiar também o resto do país, como temos feito historicamente. Desde o Ciclo da Borracha, quando o Brasil recebia da floresta o equivalente ao 45% de seu PIB e já rezava o Pai Nosso do jeito como sempre faz, só até a primeira estrofe.

“Venha a nós o vosso Reino”, diria ao Curupira! Até quando?

II

Mãos ao alto, seo Bernardo!!

Homem de terno e gravata falando no microfone Descrição gerada automaticamente

“Por fim, torcemos para que os interessados em remover a Zona Franca de Manaus da paisagem, venham antes conhecer a floresta, a curiosa e prazerosa harmonia entre a economia que construímos e a floresta que protegemos. Sempre com as mãos para o alto, seo Bernardo.”

Lá vamos nós a Brasília, em comitiva, e mais uma vez, movidos pelo tédio ou cansaço da interlocução interrompida? Improvável que seja pela necessidade de acreditar em gnomos ou espantar assombrações. Como quem chega de pires na mão, vamos argumentar com quem não tem qualquer disposição em saber quem somos, quem fomos e o que pretendemos? O jogo é político, e quem faz parte do departamento produtivo – há controvérsias, certamente – não costuma dominar esses códigos, leis e moedas em transação.

Se for preciso, porém, vamos entregar o que temos, em termos de prestação de contas, para que nossos representantes contem para seus pares – e a quem interessar possa – o que temos feito em favor da Amazônia, de nossa gente e da colaboração efetiva com os interesses nacionais. Mãos ao alto, só para esclarecer, às vezes, significa erguer as mãos da gratidão aos céus pela Amazônia, ou do pedido de perdão por não sabermos o que fazer com ela.

Amazônia – Foto: Adriano Gambarini

Enquanto isso, enquanto seo Bernardo não vem, vamos voltar a perguntar na intimidade da tribo o que podemos, de fato e de imediato, fazer por nós mesmos, pela economia que ampara o tecido social neste lugar sagrado e embaraçado chamado Amazônia. Vamos, pois, listar alguns palpites, considerando os gargalos de infraestrutura, fiscais e condições de viabilidade de novos negócios para ajudar a segurar o rojão tropical.

  • Existem vantagens competitivas para quem investe nesta região de tantos entraves de infraestrutura. Uma delas é a alíquota de IPI, imposto sobre produtos industrializados, isenção da qual dependemos para viabilizar os custos de transporte. Mas não é só. Dependemos, também, do ICMS, um imposto que pode ser ajustado pelo estado, e que não depende de reuniões em Brasília. O Estado impôs neste início de ano reajustes no ICMS. Exatamente num momento em que a taxa de juros está nas alturas do Everest, o pico mais alto do mundo. Festa para os rentistas. Castigo para quem produz emprego, renda e oportunidades no país. Por que majorar em lugar de reduzir? Que tal experimentar uma redução de 10% para as empresas da Zona Franca de Manaus? E avaliar, na sequência, o impacto e o ensaio do ganha-ganha na arrecadação.
  • Que tal, também, reduzir a tributação do ICMS em benefício do consumidor? Por que a classe política, dificilmente, pensa no consumidor? É relevante ponderar que o cidadão, além de ser eleitor, é também consumidor. Nós temos hoje no Amazonas o maior tributo de ICMS no Brasil na faixa de 20%, nenhum outro estado tributa mais do que isso. O capitalismo, senhoras e senhores, funciona assim: se assegurarmos mais recursos na mão do consumidor, sem dúvida, ele poderá fazer muito mais por nossa economia. Simples assim.
  • Outra fórmula clássica do ganha-ganha, sem mágica sem névoas, é a melhoria do ambiente empresarial. Empresários amazonenses, com lastro secular de empreendedorismo na Amazônia, atuantes em todos os estados do Norte, são insistentes em dizer que no estado do Amazonas temos o pior ambiente empresarial de negócios. A começar pela eterna demora nos processos de licenciamento para começar a operar a empresa. Sob o signo do proibicionismo, o empreendedor, até prova em contrário, é tratado como um descumpridor da Lei.
  • Logística de transportes é tarefa da União para viabilizar as atividades produtivas. Mas também do Estado. Temos 62 municípios, e poucos tem portos com rampas para embarque e desembarque de mercadorias. É constrangedor para um estado que não tem estradas, que sobrevive das embarcações fluviais, não termos sequer rampas de concreto nos municípios onde possa encostar uma balsa e um cavalo mecânico para puxar uma carreta para cima e para baixo na movimentação de cargas. As empresas da ZFM, observem, recolhem R$ 2 bilhões/ano para  o estado viabilizar o turismo e a interiorização do desenvolvimento, incluindo fomento às micro e pequenas empresas. O mesmo se aplica aos demais itens de infraestrutura. Ora bolas, então nós sabemos o que podemos fazer por nós mesmos. Por que não fazer?

bernardo

Transporte Fluvial Manaus – Foto: Divulgação/Sindarma

Mãos para o alto, seo Bernardo! Vamos agradecer as recentes conquistas do país, entre elas é preciso destacar a importância sagrada da interlocução democrática, transparentemente pragmática. Vamos recapitular promessas e relembrar compromissos E pedir perdão, a quem de direito, pelos maus tratos para com a Amazônia, pelas boiadas sanguinolentas que pisotearam territórios sagrados pertencentes aos proprietários, originários.

Vamos agradecer pelos esforços de resgate da Amazônia e vamos reconhecer que, a despeito deste estado não saber como ajudar a si mesmo, cumprimos nossa parte em transformar uma discreta fatia de compensação fiscal para reduzir, até onde podemos, as inaceitáveis e lastimáveis diferenças entre o norte e o sul do Brasil.

Por fim, torcemos para que os interessados em remover a Zona Franca de Manaus da paisagem, venham antes  conhecer a floresta, a curiosa e prazerosa harmonia entre a economia que construímos e a floresta que protegemos. Sempre com as mãos para o alto, seo Bernardo.

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