Manaus, 18 de junho de 2025

Amazônia povoada – Parte 2

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O líder messiânico Aniceto era um homem controvertido, excêntrico, uma criatura pequena, feia e envelhecida – nas palavras do antropólogo Koch-GrÜnberg.

Aniceto era um dos tantos que se dizia um novo Cristo, refletindo o desespero das populações locais.

E a situação parecia se perenizar, porque em 1880, o francês Henri Coudreau também registra os problemas legais criados pelo profeta indígena Vicente Cristo, um pajé arapaso que se dizia a nova encarnação de Yapericuli, o primeiro homem, que ele identificava com Jesus. Um missionário capuchinho, Frei Giuseppe Copi, que andou pela região na mesma época de Coudreau, descreve os índios Baré como “um bando de bêbados, preguiçosos e vagabundos que vivem na imoralidade”.

Nem todos traziam em seus olhos os preconceitos europeus em relação aos índios. Em 1883 chega ao rio Negro um dos mais ilustres de seus filhos adotivos, o Conde Ermano Stradelli. Homem de porte elegante, cabelos louros e olhos azuis, com o rosto desenhado em seus traços finos e pelas barbas bem cuidadas e o vistoso bigode, o Conde Stradelli abandonou o seu palácio de Borgotaro, onde morria de tédio e pouco dinheiro, e partiu de Gênova para fazer a América.

Escolheu a fabulosa Amazônia dos barões do Látex, ele que era nobre de sangue. Chegou em Manaus e logo se estabeleceu como engenheiro, cartógrafo e agrimensor, ganhando muito dinheiro. Mas a sua maior curiosidade eram os povos indígenas, que ele logo conheceu e se apaixonou, em prolongada viagem pelo rio Negro. Durante mais de trinta anos, Stradelli se esforça para conhecer em profundidade as língua e culturas indígenas. É aceito como nativo pela maioria dos povos do rio Negro, com quem passava meses e messes em suas malocas, dormindo nas redes de tucum que lhe ofereciam, comendo das comida que lhe davam e bebendo o caxiri nas festas das aldeias. Ele admirava a aparência nobre daquela gente, a vida de liberdade e a simplicidade de uma existência sem hipocrisias e ambições.

Adorava as moças índias, com quem namorava e para quem escreveu versos.

Certa noite de luar, quando descia o rio Negro numa canoa, sozinho, ele mesmo a remar, viu fogueiras acesas numa das ilhas Anavilhanas. Era uma festa dabacuri, um congrassamento de bebidas, dança, canto e sexo, que durava vários dias. O cientista Spruce revela que participou de um dabacuri, mas não entra em maiores detalhes. Stradelli também é muito discreto. Mas não será uma infidelidade se imaginarmos que Stradelli viu naquela praia de ilha, o mesmo que Nunes Pereira, em 1930, viu numa margem do Vaupés. Duas grandes fogueiras iluminavam a noite de luar, e Nunes Pereira aproximou-se silenciosamente, mas guardando certa distância.

Os homens dançavam em filas, sob o ritmo das flautas Japurutu, bebendo cuias de caxiri que eram trazidas pelas mulheres que lhes ofereciam a bebida e acariciavam-lhes os órgãos genitais, dexando-os túrgidos. Depois de dançarem horas e horas, e ingerirem muito caxiri, as filas se desfizeram e os homens foram para cima das mulheres, que correram para a praia e para o mato. Alguns casais logo se formaram, e deitavam-se na areia … Nunes Pereira confessa que teve vontade de aportar naquela praia, mas ficou com receio, porque a sua chegada podia despertar a ira dos homens embriagados pelos caxiri, e nessas ocasiões eles eram capazes de matar sem qualquer aviso. É provável que Stradelli tenha feito o mesmo, porque viveu ainda por muitos anos e não encontrou o mesmo fim do grande indigenista Kurt Nimuendaju, morto entre os Caiauá-Parintintin, envolvido num tórrido caso de amor com uma das mulheres do chefe da aldeia. Bem, este incidente amoroso trágico tem outra versão, mais real. Na verdade Nimuendaju foi assassinado por jagunços a serviço de um grileiro e a os índios levaram a culpa.

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