Manaus, 29 de novembro de 2023

Crônicas do cotidiano: A Alma Mater afogada em prantos

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Alma mater é a expressão latina que designa a universidade ou instituição de ensino superior na qual realizamos e concluímos a formação acadêmica; a “mãe criadora, a mãe que nutre”. Minha alma mater é a Universidade do Amazonas, sucessora da Escola Universitária Livre de Manáos, fundada em 1909, e que teve sua nominação alterada para Universidade Federal do Amazonas (UFAM), em 2002. Sou, também, um “uspiano” – formado pela Universidade de São Paulo (USP), a quem devo os meus títulos de Mestre e Doutor, porém foi a hoje UFAM que me nutriu, me recebeu e me tornou o jornalista que sou, o professor que escolhi ser e o gestor público que fui. Assim, tal como a mãe natural, cada um tem a sua, e dói no coração vê-la em prantos, vilipendiada, um pano de chão. Tudo issqo expressa um sentimento profundo de pertença quando aproximamos a nossa alma mater à nossa mãe de carne e osso, que nos alimenta com o leite e o carinho maternos e a outra, com o saber. A Universidade tem os seus defeitos e, diria até, muitos defeitos, bem mais que as mães de carne e osso, e que nos chocam quando são expostos à luz do dia, como os trotes, notícias da semana inteira. Não são somente os trotes que nos envergonham, eles existem desde que as Universidades foram criadas na Idade Média, atravessaram o Oceano Atlântico quando os nossos colonizadores deixaram que aqui existissem cursos superiores e os primeiros veteranos desses cursos imitassem as “Praxes” de Coimbra. São deprimentes, nojentos, humilhantes e até criminosos, mas vistos como rito de passagem que introduz os calouros na vida universitária, impõem a eles a obediência à hierarquia e os afastam do “povo”, o que deverá refletir-se na vida universitária e prevalecer na vida profissional escolhida, como no medievo, nas corporações de ofício: “mestres”, “jornaleiros”, e “aprendizes”. As chamadas Ordens e os “Conselhos” disso e daquilo, na modernidade, substituíram essas instituições medievais. Sem os trotes, elas não existiriam na forma que existem até hoje: quem não as obedece perde o direito de exercer a profissão. Daí a diferença entre esse tipo de organização com prerrogativas de poder sobre a categoria, dado pelo Estado, e o Sindicato, organização autônoma da classe trabalhadora. E pensar que a Universidade está umbilicalmente ligada às primeiras explica, em parte, como as coisas começam. Muitos esquecem de ver no ritual universitário esses sinais sacerdotais de sagração, de poder e distinção, sendo a sua culminância o ato de “colação do grau”, quando o Reitor da Universidade impõe sobre o formando a “Borla” – símbolo reitoral, que o transforma em “outro sujeito”, como pessoa e como profissional, pela concessão do título.

A Universidade nunca foi para todos. As transformações no mundo do trabalho e as exigências no domínio e emprego das novas tecnologias a obrigaram a expandir-se e incluir um maior número de alunos. Outro fenômeno do nosso tempo foi a transformação da educação em mercadoria e, como tal, os investimentos altíssimos do setor privado, que se apropria dessa nova clientela e se apresenta ao Estado como mais eficiente para dar conta da demanda e da “qualidade do produto” oferecido. A fetichização dos rituais universitários os tornaram peça do marketing institucional, de propaganda no mercado e perderam a aura original. A Universidade pública continua um privilégio das elites; a Universidade Privada de qualidade é para quem tem dinheiro para pagar e virar cliente; e a “Universidade Privadas de Massa”, na rabeira das avaliações do MEC, para atender as necessidades residuais do mercado, causas identitárias e os deserdados da escola pública, via FIES. O que perdura, em todo esse processo de transformação, é a ideia inicial de universidade como privilégio de classe ou como a possibilidade de se obter através dela a ascensão social, o que separaria o beneficiado do “povo”, dos que não possuem títulos universitários. É com Darcy Ribeiro, que sonhou com uma Universidade aberta a serviço do povo brasileiro, que encerro esta reflexão: “nenhuma revolução foi feita na universidade e não vai ser feita na universidade, é uma “agitação dos ‘filhotes’ que vão assumir os seus papeis, mas deixem os ‘filhotinhos’ latirem; deixem que eles treinem; deixem que eles assumam suas responsabilidades. Alguns deles irão se salvar” (Testemunho. RJ/SP: Record, 2022, p. 237). Assim espero!

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