Manaus, 7 de setembro de 2024

Crônicas do cotidiano: A carne é fraca

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O “Kobe Beef” é o corte de uma carne nobre de boi japonês que custa cerca de mil dólares o quilo. Os brasileiros mais exigentes e abastados contentam-se no churrasco com o que não pode faltar: picanha, bife ancho, bife de chorizo, fraldinha, maminha e, recentemente, entrou em moda o acém, tão nobre quanto a picanha, mesmo sendo uma carne da parte dianteira do boi. Entre as coisas exóticas, descobre-se, também, que a carne de “vaca velha” – aquelas pobrezinhas escolhidas para reprodução e fornecimento de leite e depois de anos de uso eram vendidas para abate a preços menores – agora foi ressignificada: ao passar por um processo de maturação especial, adquire um sabor inigualável e torna-se matéria prima de consumo nobre e caro em restaurantes de luxo.

Para falar de churrasco – modéstia à parte, minha predileção e habilidade culinária -, no geral, é preciso conhecer o boi. Quando canso dos comentários cretinos da política brasileira na nossa TV, às vezes, pela falta do que ver e ouvir, entro nos canais do “modo leilão da boiada em pé” e me deleito com o desfile de raças de alto rendimento à venda, vacas leiteiras de estirpe holandesa e manada de garrotes para engorda, muitos ostentando aquelas medalhas ganhas em concursos e conclaves bovinos, de boa ou má reputação. Essa manada, com preço de arrouba lá nas alturas, coitada, nem imagina que virará commodity e será difamada mundo a fora como culpada pelo desmatamento e pelas queimadas na Amazônia; e, mais ainda, pelo efeito estufa e pelas alterações climáticas que provoca; pelo aumento do colesterol ruim no sangue dos humanos, e, por isso, constante nas proibições dos nutricionistas, que costumam nos privar dos prazeres da carne. Apesar de tudo isso e mesmo triste pelo destino de morte anunciada desses animais, eles nos ligam com a natureza e se vê neles um certo ar de “dignidade animal”. A boiada passa, passa garbosa, como se estivesse num espetáculo ensaiado. Mas, no tal mercado, o que vale é a raça, o vigor, a aparência, o marmoreio da carne, o rendimento carne/carcaça, a maciez do couro, a qualidade das vísceras e do que se nutrem e, aí, os mais nobres são: Simmental, Limousin, Brahman e Wagyu, esta última, a mais nobre e cara. Tanto é que, no folclore político, consta que pessoas com interesses inconfessáveis iam semanalmente ao palácio levar a picanha de Wagyu para um certo Presidente, vejam só, um mimo! Nesse diapasão, as que não valem cargos, mesmo os menores, devem ser das raças mais populares no país: Nelore, Guzerá, Gir, Angus e outras. Dizem os experts que do boi se aproveita tudo, do chifre ao rabo. Por isso, ele é uma das metáforas mais importantes a enfeitar a política, a cultura, a economia, a vida cotidiana e as relações de trabalho. E, agora, as relações sociais brasileiras com a seguinte questão: os mais pobres têm ou não o direito a comprar carne sem imposto? Os ricos dizem não! Apesar da bancada do boi propor isenção geral para vender mais.

É bizarro, mas essa é uma questão antiga. Tanto é que o boi, no Brasil, é dividido ao meio: a parte traseira foi sempre mais cara e reservada aos ricos; a parte dianteira, o miolo e as vísceras, para os pobres. Os ossos, em alguns açougues, eram doados de caridade para os miseráveis, hoje são vendidos em separado. O que já era divisão social de classe representada no boi virou uma questão política com a Reforma Tributária e, também, “apito de cachorro” a atiçar a extrema direita e a Faria Lima, e esta manda a nossa imprensa venal alardear toda hora: colocar a carne de boi na cesta básica dos pobres levará a economia ao caos: aumento da tributação, redução das exportações, aumento do dólar, da inflação, da Selic e da “insegurança jurídica”, que afasta os investidores do país. Gente sórdida! Não aceita correr risco em seus negócios, alimenta-se da melhor parte do boi e ainda se compraz com a insuficiência alimentar alheia! Acompanhada por jornalistas “babacas”, paus mandados!

Dizem, a conta não fecha: “amantes do possível” coabitantes do governo e parlamentares torcem pelo mais humilhante: o “voucher” para a proteína ou o “cashback” pago aos pobres do CadÚnico que comprem um quilo de carne. Isto, se passar, é a cara do neoliberalismo, com a efígie da perversa Margaret Thatcher, que o Reino Unido acaba de enterrar, pelo voto!

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