A cristandade está contrita e reverente diante da imagem do Jesus crucificado no Gólgota Universal. Há quase dois mil anos, com sua lição de vida, o Nazareno lançou as bases de uma doutrina, que pouco depois originaria uma religião poderosa, da qual, queiramos ou não, dela somos tributários, direta ou indiretamente. Mesmo não pertencendo à Civilização Ocidental, apenas herdeiros dela “por portas travessas”, a chamada “civilização judaico-cristã” veio até nós, cristianizou a maioria dos povos da América Latina, marca o cotidiano de nossas instituições e, por isso: hoje é feriado; temos crucifixos nas sedes de poderes das repúblicas, mesmo em estados laicos, e catedrais ocupando espaços nobres das cidades. Contudo, isso não é o que mais importa e sim o fato de que um ser iluminado e imensamente humano deixou-nos uma mensagem universal muito forte em testemunhos narrados pelos Evangelistas. Mateus (25: 34-45), para tomar um deles, nos arrepia e nos convida à reflexão e ao engajamento em tudo que possa repudiar a iniquidade, quando narra palavras de Jesus: “Vinde, benditos de meu Pai, tomai posse do Reino que vos está preparado desde a criação do mundo, porque tive fome e me destes de comer; tive sede e me destes de beber; era peregrino e me acolhestes; nu e me vestistes; enfermo e me visitastes; estava na prisão e viestes a mim”. Diante do espanto dos insensíveis, aqueles que esquecem facilmente o seu desprezo pelos outros, arremata: “Em verdade eu vos declaro: todas as vezes que fizestes isso a um destes meus irmãos mais pequeninos, foi a mim mesmo que o fizestes”. Não precisa ser teólogo ou mesmo crente para entender o que esse Cristo, que se coloca como enviado de um Criador, revestido de autoridade, está nos dizendo através do Evangelho, segundo Mateus.
Os “benditos do pai” são todos aqueles que sempre pugnaram pela igualdade, pela liberdade e pela fraternidade e buscaram meios para superar as desigualdades, a escravidão de seus semelhantes e não se negaram a dividir um pedaço de pão para matar a fome do outro. Aqueles que, em poder de mando, não ergueram fronteiras para impedir aos necessitados que buscassem melhores condições de vida, mesmo com a venda depreciada de sua força de trabalho, única coisa que lhes restava. Aqueles que se desdobraram garantindo meios para que pessoas não morressem de fome, de frio, de doenças curáveis e por falta de abrigo. Aqueles que promoveram a justiça sem fazer escárnio dos condenados, deixando-os apodrecer nas prisões. Aqueles que acreditaram na educação como forma de libertação das prisões da ignorância e da violência. Mateus, um convertido, Cobrador de Impostos devidos ao Império Romano, que subjugavam os Judeus, sabia bem do que estava falando: falava de equidade, de fraternidade e de liberdade, coisas que deveriam vir de governos justos; falava, certamente, daquilo que em nossos dias chamamos de “políticas públicas”, que contemplassem a superação dos sofrimentos dos mais humildes, coisas que estão na pauta de nosso cotidiano até hoje e sabemos que não acontecem porque a maldade humana está mais preocupada com a “Forbes”, com o tilintar das moedas das Bolsas de Valores e com a sem-vergonhice que se alimenta do ódio, da corrupção, da bala, da mentira e da esbórnia.
Os cínicos sempre acusaram de “comunistas criminosos” todos aqueles que pensam e defendem as mesmas coisas ou causas enunciadas por Jesus de Nazaré, Mateus e outros iluminados dos mais diversos credos buscando construir, a partir de uma matriz do pensamento do bem, versões modernas para a orientação do bem viver. Com isso, buscam sempre desqualificar, por todas as formas, doutrinas, ideologias, ciências, artes, boa gestão da coisa pública e demais ações que visem o bem-estar de todos. Os cínicos de hoje, como os fariseus de ontem, condenam tudo isso com a convicção de que são “os donos do mundo”!
Views: 25